O regresso do Défice

José Lourenço
 

José Lourenço

Poucas horas depois de serem conhecidos os resultados das eleições legislativas de domingo, na passada 2ª feira de manhã, o INE publicava os dados referentes à estimativa do défice público para 2009, nesse mesmo dia comunicados ao gabinete de estatística da União Europeia (Eurostat). De acordo com o INE, Portugal deverá terminar 2009 com um défice orçamental de 9 658,7 milhões de euros, o que deverá representar 5,9% do PIB (refira-se que em nossa opinião e tendo em conta a informação divulgada pela Direcção Geral do Orçamento até final de Agosto, o défice deverá ser bem superior, podendo mesmo ultrapassar os 7% do PIB).  
Nesse mesmo dia a Lusa publicava a notícia de que a Comissão Europeia abrirá em Novembro um novo procedimento por défice excessivo contra Portugal, devido à ultrapassagem do limite dos 3% estabelecido no Pacto de Estabilidade.
É claro que a notícia divulgada diz também que as consequências serão para já simbólicas, já que em tempos de crise mundial mais de metade dos países da União Europeia deverão ultrapassar os 3% de défice orçamental, no entanto, não deixa de ter significado político que poucas horas depois das eleições que dão maioria relativa ao PS, os portugueses sejam uma vez mais confrontados com o deficit orçamental, o qual foi responsável nos últimos 4 anos e meio por um conjunto de medidas tomadas pelo Governo, que contribuíram para o agravamento das condições de vida dos portugueses.
Claro que não é o Governo PS a vir falar no deficit orçamental, mas como sempre acontece nestas coisas, primeiro vêm os organismos oficiais alertar para os pretensos perigos, para depois muito pesaroso vir o governo tomar as medidas draconianas que pretensamente é obrigado a tomar – corte no investimento público, redução dos apoios sociais, redução do nº de trabalhadores e diminuição dos salários reais na administração pública, privatização de serviços públicos, deterioração do serviço nacional de saúde, degradação da escola pública e cortes no valor real das reformas e pensões -, para controlar o défice orçamental.
Por várias vezes durante a campanha eleitoral esta questão do défice orçamental foi por nós levantada e chamámos à atenção que para nós, a sua resolução deveria passar fundamentalmente pelo aumento das receitas do Estado e não pela redução das suas despesas.
O défice orçamental sendo um problema, como é qualquer défice, não integra o conjunto dos chamados défices estruturais da nossa economia – défice alimentar, energético, tecnológico, educativo -, pelo que não pode constituir um objectivo da política económica a sua redução, podendo até acontecer o contrário, que é a necessidade do seu agravamento conjuntural como forma de contribuir para a resolução dos défices estruturais – esta é a situação que actualmente se vive no nosso país -.
Por outro lado a poucos dias das eleições autárquicas, em que todo o poder local vai a votos e em que estão em causa visões muito dispares do seu papel na nossa sociedade, o regresso do fantasma do deficit orçamental não augura nada de bom no que diz respeito ao recursos financeiros que o Estado Central disponibilizará para as autarquias nos próximos anos.
Nos últimos 4 anos e meio muitos foram os ataques à autonomia do poder local que com o pretexto do controle do défice orçamental foram levados a cabo pelo Governo, nomeadamente através da nova Lei das Finanças Locais (Lei nº 2/2007), em que a preocupação fundamental do Governo foi reduzir as transferências para os municípios em sede de orçamento de estado e criar mecanismos de controlo dos níveis de endividamento das autarquias, mesmo que para tal não só a autonomia financeira e administrativa dos municípios, como a sua sobrevivência possam estar em causa.
Vale a pena, agora que o fantasma do défice orçamental volta a surgir, lembrar às populações e aos candidatos a futuros autarcas o que isso significou no ataque à autonomia do poder local nos últimos anos.