Intervenção de Frederico Carvalho
Ciência & Tecnologia
28 de Abril de 2009

NOTA PRÉVIA

O presente documento está estruturado em duas secções. Na primeira secção procura-se caracterizar em traços largos a situação actual do sector público do Sistema Científico e Técnico Nacional pela qual são politicamente responsáveis o actual e anteriores governos, com destaque para a política adoptada ao longo os três mandatos do Ministro Mariano Gago (1995-1999; 1999-2002 e 2005-2009).

Na segunda secção, são trazidas a debate 12 medidas, consideradas as mais importantes e urgentes, destinadas a transformar aquele Sistema no sentido de lhe conferir a estrutura, dimensão e operacionalidade necessárias para enfrentar os desafios que se colocam a Portugal e aos portugueses hoje e no futuro próximo.

Eleições legislativas de 2009
Contributo para a discussão do Programa Eleitoral do PCP na área da Ciência e Tecnologia

O conhecimento científico, em permanente evolução, e a aplicação de tecnologias adequadas, decorrentes daquele, já existentes ou a desenvolver, são, em nosso entender, e devem ser justamente considerados, instrumentos indispensáveis tanto à melhoria do bem-estar e qualidade de vida dos cidadãos, e dos trabalhadores, em geral, como também à correcta caracterização e ao encontro de soluções que permitam superar os desafios de carácter global de que depende a sustentabilidade da vida sobre a Terra e a sobrevivência da espécie humana, em condições minimamente aceitáveis.
Esta é uma consideração que deve estar presente no espírito dos responsáveis políticos e condicionar os programas de acção que propõem à sociedade e efectivamente porão em prática.

Desde logo, é nosso dever informar com verdade os portugueses sobre a situação do que designamos por Sistema Científico e Técnico Nacional (SCTN), ou seja, o conjunto organizado de meios humanos e materiais que constituem o suporte das actividades de C&T no nosso País. É também nosso dever propor medidas adequadas para resolver os problemas existentes.

O SCTN é pobre, no contexto europeu, ineficaz e frágil no seu conjunto. Padece de males, que, não sendo de hoje, não foram combatidos e em muitos aspectos têm vindo a ser agravados pela política conduzida por sucessivos governos. Ao mesmo tempo, as debilidades do sistema produtivo nacional, a degradação do sistema educativo e de formação profissional e a ausência de um combate eficaz à iliteracia científica da população em geral, prendem-se com as debilidades do sistema científico e técnico, ligam-se entre si, e influenciam-se mutuamente.

Aos Laboratórios do Estado e outros organismos públicos a que compete desenvolver actividades de investigação científica ou desenvolvimento tecnológico; aos centros de investigação ligados ou dependentes das universidades públicas e às próprias escolas superiores, não são atribuídos os financiamentos públicos necessários a um funcionamento produtivo regular. Este facto obriga essas entidades a procurar angariar receitas de carácter aleatório, através da prestação de serviços, muitas vezes com prejuízo dos objectivos que justificam a sua existência. Outras vezes leva-as a desviar verbas para fins distintos daqueles que a lei estipula, caso das propinas cobradas pelas escolas superiores a formandos pré- e pós-graduados, quase sempre pelos valores máximos permitidos, com consequências sociais negativas, e desrespeito por princípios inspiradores da Constituição da República.

Fora do domínio da investigação de base, fundamental ou “curiosity driven”, a aplicação generalizada do mecanismo de financiamento dos laboratórios e centros de investigação pela via dos concursos de projectos (o chamado financiamento competitivo) constitui em si mesmo uma aberração. Num país com um SCT com a dimensão do nosso e em que os recursos financeiros aplicados na investigação são muito insuficientes, o financiamento competitivo, mesmo no domínio atrás referido é fonte certa de desaproveitamento do potencial humano e material disponível e um quase intransponível obstáculo à concretização de uma política científica quer no plano do Estado quer a nível dos próprios organismos executores do trabalho de investigação.

Quando o que está em causa não é a investigação fundamental pura, então o financiamento competitivo dos laboratórios públicos é um completo absurdo que tende a transformar os programas de trabalho dos organismos numa manta de retalhos, dificulta a coordenação de esforços e a prossecução dos objectivos que os justificam.

A autonomia técnica e científica das instituições públicas de I&D, em regra consagrada nos respectivos estatutos e que apenas deve ser limitada por aquilo a que poderá chamar-se o seu contrato social fundador, é, na prática, inexistente. Para isso contribui decisivamente a política de obstinada centralização de poderes de decisão, corporizada no que toca à gestão do sistema público de I&DT, na acção do Ministro com a pasta da C&T, mediada por aquele que é o seu principal instrumento: a Fundação para a Ciência e Tecnologia. Esta prima pela opacidade das decisões e pelo sistemático incumprimento de prazos, na avaliação de projectos, na entrega de fundos atribuídos, na efectivação da contratação de investigadores. Este comportamento acaba por afectar todo o sistema público de I&D, dado o estatuto e as atribuições da Fundação.

Na generalidade dos laboratórios do Estado vive-se uma situação de instabilidade decorrente de modificações orgânicas impostas pelo actual governo, sem uma clara explicitação de objectivos susceptível de gerar efectivo consenso mau grado a completa ausência de participação dos seus quadros mais qualificados. Pode dizer-se com verdade das decisões impostas que não vieram resolver nenhuns dos reais problemas dos laboratórios antes a todos agravaram: diminuição do pessoal científico e técnico com vínculo estável; recurso acrescido a trabalhado precário como orientação política (comum aliás a outros sectores); bloqueio das carreiras; agravamento das dificuldades financeiras; desorganização interna; gestão incompetente; mecanismos e estruturas de avaliação de desempenho inadequadas.

A capacidade e o âmbito de acção do SCTN são significativamente afectados pela escassez de pessoal técnico qualificado. Para o número de investigadores existentes e tomando valores de 2005, estima-se que os efectivos de pessoal técnico deveriam triplicar para aproximar o sistema nacional da média da União Europeia. Tudo indica que a situação, hoje, é ainda mais grave.

Importa sublinhar a importância da rede de laboratórios públicos, que deve ser reconsiderada na sua composição, fortalecida e alargada, no combate aos défices produtivo, energético e tecnológico do País.

As estatísticas oficiais relativas à composição e à actividade do SCTN, são hoje elaboradas pelo chamado Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais (GPEARI) do MCTES (organismo sucessor do Observatório das Ciências e das Tecnologias ─ OCT, criado no primeiro consulado do Ministro Mariano Gago, do qual Maria de Lurdes Rodrigues foi directora). Há razões para presumir que os critérios usados e os dados publicados pelo GPEARI são duvidosos, designadamente no que respeita às actividades de I&D no sector das empresas. Os últimos dados revelados, respeitantes ao período 2005-2007, sujeitam-se a forte suspeição ao indicar que nesse período a despesa do país com I&D referida ao PIB teria crescido de 50% passando de cerca de 0,8% para cerca de 1,2% do PIB! Tal salto dever-se-ia, no essencial, à duplicação, no mesmo período, da despesa de I&D das empresas, mantendo-se praticamente igual a dos restantes sectores (universidades, laboratórios públicos e instituições privadas sem fins lucrativos).

De acordo com os números divulgados, a despesa de I&D de apenas três subsectores empresariais, teria saltado em dois anos (2006 e 2007) de cerca de 60M€ para cerca de 420M€. Os três subsectores em questão são identificados assim: serviços financeiros e seguros; serviços de informática; e comunicações.

Proposta de medidas específicas

A situação do País tal como se apresenta hoje, atrás descrita em traços largos, mas também os desafios de carácter global que se perspectivam e há que enfrentar no futuro próximo, requerem medidas concretas susceptíveis de revitalizar, fortalecer e expandir o SCTN. Propõe-se a seguir doze medidas, consideradas mais importantes e urgentes.

  • Definição amplamente participada de um plano detalhado de prioridades de investigação nos vários sectores que interessam à economia e aos serviços, incluindo a reconsideração da rede actual de laboratórios de Estado e seu desejável futuro alargamento.
  • Revitalização e recomposição, nesta perspectiva, de um Conselho Superior de Ciência e Tecnologia, alargando as suas competências estatutárias. Intervenção da AR na sistematização dos planos de desenvolvimento e investimento em C&T, designadamente através de uma Comissão destinada especificamente à análise das políticas de Ciência e Tecnologia incluindo na vertente da cooperação internacional em C&T.
  • Reavaliação do sentido da co-existência 1dos chamados Laboratórios Associados com outros laboratórios sem esse estatuto; justificação dos regimes de financiamento e gestão e outros aspectos específicos dos primeiros.
  • Manutenção do mecanismo de financiamento público dos laboratórios e centros de investigação pela via dos concursos de projectos exclusivamente no domínio da investigação fundamental, e substituição em todas as outras situações pelo modo de financiamento plurianual associado a contratos-programa, sujeito à avaliação periódica de resultados.
  • Atribuição de um orçamento plurianual próprio a todos os organismos e instituições públicas em cujas atribuições se inclui a realização de actividades de I&D, laboratórios públicos, institutos e centros de investigação ligados ou dependentes de instituições públicas de ensino superior, destinado a permitir a manutenção da capacidade de prosseguir tais actividades a um nível adequado, independentemente da obtenção de financiamentos específicos ligados a projectos ou contratos-programa.
  • Garantia da autonomia científica e técnica das instituições de I&D nos termos e nos limites fixados nos respectivos estatutos, apoiada em orçamentos participativos e autonomia de gestão orçamental.
  • Autonomia de contratação de pessoal desde que com o correspondente suporte orçamental, com a possibilidade, no caso, do recrutamento de pessoal investigador qualificado, da atribuição dum financiamento específico de arranque, a gerir autonomamente pelo investigador.
  • Abandono da política de constituição dos chamados Consórcios de Investigação Científica ─ arrumação fictícia e complexificadora da realidade existente que não responde efectivamente a necessidades, reais e sentidas de melhor aproveitamento e coordenação de recursos.
  • Revisão da lei - quadro dos laboratórios do Estado (D.-L. 125/99), designadamente, reavaliando a composição e competências do Conselho Científico, Conselho de Orientação e Unidade de Acompanhamento, bem como revisão do Estatuto da Carreira de Investigação Científica (D.-L. 124/99) revendo, designadamente, o regime de concursos.
  • Criação das Carreiras Técnicas de Investigação e de Operário Prototipista.
  • Proibição do recrutamento de pessoal investigador como bolseiro, pago a recibo verde ou em regime de avença, para o desempenho de funções correspondentes a necessidades permanentes das instituições ou que ainda que inseridas projectos ou contratos-programa, não tenham por objectivo a obtenção de uma qualificação académica pós-graduada.
  • Proceder ao levantamento e caracterização sistemáticos das actividades científicas e técnicas realizadas no País exteriores ao universo da I&D — as OAC&T, na nomenclatura do manual de Frascati — entidades que as executam, recursos humanos que lhes estão afectos e montante da correspondente despesa. Inclusão destas actividades em futuras operações de levantamento do Potencial Científico e Tecnológico Nacional.
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