Democratizar os recursos naturais

Miguel Tiago
 

Miguel Tiago

É determinante a relação do Estado com o território e a, ainda mais, a forma como sobre ele age. Um governo interventivo na preservação dos recursos e valores naturais assume-se logo como agente preocupado com o bem-estar e com os equilíbrios ambientais. No entanto, só um governo preocupado com a democratização da fruição da riqueza natural pode afirmar-se como um governo de esquerda. A doutrina do neo-liberalismo, porém, impõe precisamente o contrário aos Estados que lhe são subservientes: nem intervir sobre a conservação dos valores, nem assegurar a democratização das riquezas que daí advêm.

Ora, deste governo PS não seria de esperar sinceridade nessa sua tentativa de demarcação do neo-liberalismo para que não lhe caísse a responsabilidade da crise económica nas mãos. E no que à política de ambiente e gestão territorial diz respeito, essa contradição torna-se óbvia e demasiado evidente. Aliás, este Governo tem destruído qualquer intervenção ou potencial de intervenção do Estado no que toca à conservação da Natureza e converteu-se numa comissão de negócios, numa agência imobiliária, que vai vendendo o território nacional à peça, como se de propriedade sua se tratasse. Desde o Domínio Público Hídrico, aos recursos geológicos, passando pelas áreas protegidas e reservas ecológicas e agrícolas, tudo é coutada de interesses que orientam e orquestram – de fora para dentro – o Ministério do Ambiente.

O desenvolvimento regional e urbano deu lugar a empreendimentos turísticos de luxo; a conservação da natureza deu lugar à concessão e privatização da gestão dos parques naturais e áreas protegidas; a conservação da biodiversidade converteu-se em apoio a empresas; o ordenamento do território deu lugar a operações de loteamento.

É tão necessária como urgente uma política de gestão de recursos e conservação da natureza que assuma dois vectores essenciais:

1. A intervenção do Estado na conservação e preservação dos valores, ecossistemas, habitats, espécies vegetais, animais e minerais.

2. A intervenção para a manutenção do domínio público e para a democratização do acesso e do usufruto da riqueza paisagística, geológica, hídrica e biológica do país.

Podemos certamente afirmar que uma política de esquerda, verdadeiramente socialista não é por si só, a resposta para todos os problemas ambientais com que nos defrontamos em Portugal, incluindo os que são de abrangência global, como a poluição atmosférica. Mas também afirmamos com convicção que só no âmbito de uma política de esquerda, socialista, que assuma a ruptura com o rumo de devastação de recursos e concentração de riqueza, será possível iniciar a construção de uma relação sustentável e saudável entre as comunidades humanas e a Natureza.