Intervenção de Ângelo Alves, da Comissão Política do CC do PCP
30 de Julho de 2009

Estimados Camaradas e Amigos,
Realizamos esta audição no quadro do debate que o PCP está a promover para a elaboração do Programa Eleitoral às próximas eleições legislativas. Realizámos já várias iniciativas similares que abordaram em debates e audições temáticas áreas tão diversas como as grandes questões económicas e sociais no plano nacional, as questões laborais, da cultura, da ciência e tecnologia, da saúde e educação, etc…


É de facto um esforço real para ouvir o maior número de opiniões que enriqueçam o já vasto património de propostas e reflexões que o PCP tem para as mais variadas áreas da vida económica, política, social e cultural do país e que estão intimamente ligadas com o projecto dos comunistas de construção de uma democracia avançada para Portugal que aprofunde as diferentes vertentes económica, social, cultural, política e de defesa da soberania nacional, componente fundamental do projecto de socialismo que o PCP preconiza para o nosso País.
Realizamos hoje esta audição sobre a Política Externa portuguesa, uma das áreas em que é praticamente impossível distinguir diferenças nas políticas do PS, PSD e CDS/PP.
Políticas que ao longo dos anos têm sido marcadas por uma constante submissão aos ditames das grandes potências imperialistas, com destaque para os EUA.


Políticas que não apenas se submetem, mas que têm contribuído fiel e activamente para a configuração neoliberal, militarista e federalista da União Europeia. Políticas que se adaptam e defendem acerrimamente o papel da NATO como organização global de carácter agressivo direccionada para o intervencionismo, o neo-colonialismo, a guerra e a subordinação dos Estados e da própria ONU aos interesses militares e geoestratégicos das potências militares desta organização.


Políticas que nos últimos anos envolveram o nosso país em algumas das mais negras páginas da história da política externa portuguesa, como a tristemente célebre cimeira dos Açores da guerra do Iraque; a Presidência Portuguesa da União Europeia, com a aprovação do derrotado tratado de Lisboa; o reconhecimento da independência do Kosovo; o envolvimento, já mais que evidente, nas operações de sequestro, transporte ilegal e tortura de prisioneiros dos EUA – vulgo voos da CIA -; a colaboração em missões internacionais de ingerência e inseridas numa estratégia neo-colonial, como em África, ou ainda a participação de Portugal em guerras de agressão como a guerra do Afeganistão, na qual o governo português decidiu recentemente reforçar a sua participação, contribuindo assim para a estratégia dos EUA e da NATO de intensificação e regionalização do conflito.


Políticas contrárias à devida solidariedade para com os povos em luta, seja na Palestina, de que a vergonhosa posição de fuga à condenação explícita da agressão a Gaza é apenas um exemplo; seja relativamente a Cuba, com uma titubeante posição do governo português relativamente ao bloqueio ou relativamente ao caso dos cinco patriotas cubanos presos nos EUA; seja relativamente ao Sahara Ocidental em que face ao incremento da repressão marroquina nos territórios ocupados o governo português responde com o desenvolvimento de novos acordos e visitas de Estado a este país, seja ainda no incumprimento por Portugal das já de si insuficientes metas da Ajuda Pública ao Desenvolvimento definidas pela ONU. E estes são apenas alguns exemplos.
Políticas que falham na valorização de um vector estratégico para a afirmação de Portugal no Mundo, as comunidades portuguesas, como patente no desinvestimento no apoio às populações emigrantes e luso-descendentes; na ruinosa política de encerramento e despromoção de consulados ou no desinvestimento no ensino e divulgação da língua portuguesa, apenas para referir três exemplos.


Muito mais poderia ser dito e exemplificado num balanço claramente negativo da política externa portuguesa. Um política externa que além de não ter contribuído para uma afirmação autónoma de Portugal na Europa e no Mundo, se desenvolveu em variados aspectos contra os próprios interesses de Portugal e dos portugueses. Bastaria por exemplo olhar para actuação de sucessivos governos na área da política europeia e para as consequências daí resultantes no desenvolvimento da crise em que Portugal está mergulhado.


Camaradas,
Gostaríamos realçar três referências para o debate que nos parecem importantes para a construção do programa eleitoral do PCP nesta área e para a identificação de grandes escolhas que os portugueses terão que fazer nas próximas eleições.


 A primeira é a importância da análise das grandes tendências de fundo da situação internacional que marcará os próximos anos. Os deputados eleitos nas eleições de 27 de Setembro, assim como a solução governativa que delas sair, terão como pano de fundo da sua actuação a profunda crise do capitalismo que - apesar das tentativas de alguns de transferir para o mundo do imaginário e da psicanálise a análise da saúde da economia mundial - se aprofunda, se prolonga e se desenvolve num altamente complexo processo de rearrumação de forças a nível mundial e num quadro de crises paralelas como a alimentar e energética, entre outras. Em causa, na escolha dos portugueses, estarão visões muito diferentes de fazer face a esta situação. Por um lado a ruptura com as políticas que no Mundo e em Portugal estão na origem dessa crise, visão preconizada de forma clara e coerente unicamente pelo PCP e pela CDU. Por outro uma tentativa de através de manobras várias, elaborações altissonantes, e teorias que de novo nada têm, abrir o caminho para uma reafirmação com novas caras das políticas e do sistema que está no centro da crise sob o lema de mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma. Estratégia abraçada pelo actual governo – que aparece a demarcar-se rapidamente em palavras do neoliberalismo ao mesmo tempo que insiste nos favores ao grande capital financeiro -, mas também pelo PSD e outras forças políticas se interligarmos a análise daquilo que se defende no âmbito da política internacional com as políticas que se defendem quer no plano nacional quer no plano europeu.
A segunda é a concepção de Portugal que se tem e como se olha para a sua integração na chamada “comunidade internacional”. Na nossa óptica a política externa portuguesa deve basear-se na defesa e promoção dos interesses legítimos de Portugal e dos portugueses, assumindo a independência e soberania nacionais como valores inalienáveis. Tal só será possível com uma política externa que rejeite imposições externas incompatíveis com o interesse, a dignidade, a independência e a soberania do país. Esta nossa postura não radica em qualquer concepção retrógrada de isolacionismo, bem pelo contrário, assenta no respeito pela soberania e a igualdade dos Estados e pela não ingerência nos assuntos internos dos outros países. E esse é o único caminho – como aliás está a ser demonstrado noutros pontos do globo – para, num quadro de crescente interdependência de Estados, se garantir um quadro de relações externas assente numa cooperação mutuamente vantajosa, na busca de soluções pacíficas para os conflitos e no respeito pelos valores da solidariedade, ajuda e respeito mútuos. Uma concepção que faz, sem meias palavras ou falsos internacionalismos, frente à consolidação de directórios de potências que impõem os seus interesses às restantes nações do mundo afastando as potencialidades de relações baseadas na paz, cooperação, igualdade em direitos e deveres e no estrito respeito pelo direito internacional.


A terceira questão está relacionada com o próprio regime democrático. Apesar de sucessivas modificações, a Constituição da República Portuguesa consagra com clareza e rigor uma orientação patriótica e internacionalista para o relacionamento externo do Estado português. Tal como noutras áreas também nesta, para o PCP, esta é uma questão de fundo. De fundo porque ao analisarmos as políticas externas levadas a cabo por este e outros governos facilmente concluímos que as suas políticas se afastam frequentemente dos princípios plasmados na CRP e não poucas vezes entram mesmo em contradição. Será à luz desses mesmos princípios que os portugueses devem analisar as políticas e as propostas de todos os Partidos políticos. Eles estarão sempre presentes ao analisarem-se questões tão importantes como a natureza das missões das forças armadas portuguesas; o quadro das relações externas de Portugal, cada vez mais afunilado na União Europeia e no chamado eixo transatlântico; na natureza e objectivos do relacionamento com os países africanos, cada vez mais sujeito a uma visão neocolonial; no papel da NATO e na submissão de Portugal à sua estratégia; na postura de Portugal na discussão em torno da chamada reforma das instituições internacionais, nomeadamente a ONU e em questões relacionadas com as liberdades e garantias e o combate ao fascismo. Uma questão de fundo porque a ruptura com as políticas de direita que o PCP defende, e que preside às propostas para a política externa portuguesa que o PCP defende, assenta exactamente no respeito e valorização da Constituição Portuguesa. Uma Constituição que é fruto da luta do nosso povo e das extraordinárias conquistas alcançadas com a Revolução de Abril - factor decisivo para que Portugal seja ainda hoje um país respeitado pela sua História e pelos valores que projectou em todo o Mundo ao contribuir decisivamente para a abolição do colonialismo e do fascismo.


É partindo destas três questões centrais que gostaria ainda de deixar alguns apontamentos que, tendo como base a nossa concepção alargada de soberania nacional – e que depende não somente da política externa mas também de outras políticas como a económica e social – e o nosso conceito de solidariedade internacionalista, estão presentes na reflexão em torno da elaboração do nosso programa eleitoral nesta área:
O primeiro é que o quadro internacional que temos pela frente é e será de grande exigência para todos aqueles que defendem uma ruptura com o sistema e com as politicas que estão no centro da actual crise do capitalismo. Neste quadro, o lema “a luta continua” assume grande centralidade e actualidade. A luta contra a tentativa de transferir para os trabalhadores e os povos os custos da crise, a luta contra derivas militaristas em curso, a luta pela defesa dos direitos sociais e laborais e contra a repressão das resistências populares e anti-imperialistas, a luta pela defesa da democracia, da soberania e do direito internacional, são questões que para o PCP podem e devem estar presentes na concepção de uma política externa portuguesa progressista, democrática, de cooperação e de paz.


Fica demonstrado nas comunicações proferidas que a abordagem da temática política externa não pode, sobretudo neste quadro de profunda crise do sistema capitalista, ser desligada da abordagem mais geral das grandes questões económicas, sociais, geoestratégicas, ambientais e energéticas e da discussão sobre as soluções para ultrapassar o quadro de crise e de crises cíclicas do sistema capitalista. Quaisquer soluções que não ataquem o grande capital e as raízes da exploração capitalista, limitando-se a meras alterações de cosmética de um sistema esgotado e caduco conduzirão necessariamente a novas e ainda mais profundas expressões da crise do capitalismo. Aos povos de todo o mundo e às nações está portanto colocada como grande exigência do nosso tempo, a conquista de profundas transformações sociais, pela superação da exploração e da opressão.


O segundo apontamento é que a política externa de que Portugal necessita precisa de se libertar das grilhetas da política de blocos imperialistas que caracteriza a actual situação internacional. Portugal, pelas potencialidades próprias, pelo património das suas relações internacionais e pelos laços históricos e culturais que o seu povo mantém com inúmeros povos do mundo, tem condições para, com voz própria e rejeitando com firmeza o espartilho em que os EUA e as grandes potências da NATO e da União Europeia pretendem aprisioná-lo, inserir-se, com coragem e convicção, na grande corrente que luta por um mundo de progresso, paz e cooperação.
O terceiro é que é possível Portugal ter uma política externa progressista, diversificada e soberana e manter um estreito relacionamento com os mais variados países e povos. A afirmação de Portugal no Mundo depende acima de tudo, por um lado da afirmação da sua soberania e defesa dos seus interesses e por outro da cooperação mutuamente vantajosa que for capaz de desenvolver com os mais variados países do mundo. Valores e princípios que são complementares e não contraditórios, com alguns por vezes afirmam para tentar encurralar o país nas baias da submissão ao imperialismo ou para justificar posições de abdicação da soberania nacional.
Temos a profunda convicção de que o actual rumo da política externa portuguesa não é uma inevitabilidade. Acreditamos que é possível Portugal ter uma política externa portuguesa progressista de cooperação e de paz.


Uma política externa que respeite e valorize a Constituição da República e que rejeite imposições externas incompatíveis com o interesse, a dignidade, a independência e a soberania do país.
Uma política externa que tome corajosamente posição em prol das grandes causas da liberdade, da democracia, do progresso, da justiça social e da paz.
Uma política externa que no continente europeu se bata por uma Europa de cooperação entre Estados soberanos e iguais em direitos verdadeiramente democrática. Uma Europa social e de coesão, de solidariedade e desenvolvimento sustentado. Uma Europa aberta ao mundo e de paz, solidária, recusando a sua actual perspectiva de fortaleza e bloco político-militar de natureza imperialista e invertendo o actual rumo da sua militarização em íntima coordenação com a NATO.
Uma política externa democrática e participada que potencie uma diplomacia activa e criativa e que contribua para que Portugal se afirme como um país aberto ao mundo com uma muito diversificada política de relações exteriores.


Uma política externa que se oriente pelo respeito pela soberania e a igualdade dos Estados e pela não ingerência nos assuntos internos dos outros países. Que defenda o Direito Internacional, a Carta das Nações Unidas e os inalienáveis direitos dos povos, rejeitando as manipulações de tais princípios para justificar manobras de desestabilização e agressão.


Uma política externa que aposte em relações económicas ao serviço de Portugal e dos portugueses e de apoio ao desenvolvimento e cooperação com igualdade entre Estados, rejeitando as ruinosas imposições do FMI, BM e OMC e a liberalização do comércio mundial.
Uma política de relações externas ao serviço da paz, da segurança e da amizade entre os povos, que defenda intransigentemente o princípio da solução pacífica dos conflitos internacionais, pugne pelas políticas de desarmamento, de dissolução dos blocos político-militares, como a NATO, e aponte no sentido da progressiva desvinculação de Portugal da sua estrutura militar. 
Uma política externa e de defesa nacional que rejeite a participação militar portuguesa em missões internacionais que não estejam directamente relacionadas com a defesa da soberania e da independência nacionais e que recentre a política de defesa nacional e de organização, equipamento e financiamento das forças armadas para a defesa da soberania nacional, nomeadamente a defesa do território nacional, do espaço aéreo e da Zona Económica Exclusiva.
Uma política externa activa em defesa do ambiente e da salvaguarda dos recursos naturais. Que rejeite a mercantilização do ambiente e respeite a soberania dos povos sobre os seus recursos naturais e pelo direito à sua soberania alimentar.


Uma política externa de solidariedade com as causas da paz e da amizade entre os povos e com as suas lutas pela sua independência, autodeterminação, direito ao seu desenvolvimento económico e social e contra as ocupações e ingerências imperialistas.
Uma política que assuma o respeito pela diversidade cultural, defenda e promova a cultura e a língua portuguesa e assuma o intercâmbio cultural como importante factor para relações assentes na amizade e paz entre os povos.


Uma política de reconhecimento das comunidades portuguesas como um vector estratégico para a afirmação de Portugal no mundo, que respeite os seus direitos, reforce os laços das novas gerações de luso-descendentes com Portugal e se adapte às novas realidades dos fluxos migratórios.


O quarto e último apontamento relaciona-se com a frase que escolhemos para divulgar esta nossa audição: A Solidariedade é a nossa força. Nas mais diversas regiões do globo os povos tomam nas suas mãos os destinos dos seus países e estão na primeira linha da resistência ao imperialismo, lançando-se na edificação de um futuro livre da pilhagem e da guerra imperialistas e na construção de alternativas de desenvolvimento e cooperação progressistas - como é o caso da vaga progressista em curso na América Latina. A realidade mundial demonstra que por via da luta dos povos, da solidariedade internacionalista e da afirmação de alternativas progressistas é possível criar as condições para inverter o actual rumo da evolução mundial. Também Portugal pode e deve contribuir para a construção de um Mundo mais justo, democrático e pacífico e essa é a via mais segura e certa para se afirmar no plano internacional.


Camaradas e Amigos:
Terminando, gostaria de agradecer a presença e a contribuição de todos nesta elaboração colectiva do programa eleitoral do PCP, certo de que este debate contribuiu não só para o enriquecimento do património do nosso Partido na área da política externa mas também para um debate sério sobre o Portugal que queremos no Mundo que desejamos mais justo, solidário e pacífico.

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