Trabalho à Peça

José Neto
 

José Neto

Bem esteve o camarada Jerónimo de Sousa, S. Geral do PCP, ao denunciar, no recente debate com Ferreira Leite, o “trabalho pago à peça” que o PSD defende, como forma de remuneração dos juízes, no seu Programa eleitoral. Ou seja, os magistrados receberiam incentivos tanto maiores quanto mais processos resolvessem, quanto mais depressa os encerrassem.

Tratar-se-ia da aplicação pura e simples, aos magistrados e aos tribunais, de critérios de produtividade e de gestão empresarial, como se de empresas se tratasse.

Na vizinha Espanha, único país da União europeia em que a experiência foi feita, os resultados foram por demais negativos, revelando a total incompatibilidade da isenção e independência dos juízes com a solução do pagamento “ao quilo”, no dizer de António Martins, presidente da Associação dos Juízes portugueses.

Esta indignidade mostra bem que o PSD não quer ficar atrás do PS em matéria de humilhação dos magistrados, ao deixar implícita a tese da falta de empenhamento ou de trabalho dos juízes, como já tinha feito o PS, a propósito das férias judiciais.

Mas, esta que aparece, à primeira vista, como uma proposta “peregrina”, não o é verdadeiramente. Ela prende-se com determinados interesses. Se não, vejamos: qual é a sua origem? Como também denunciou Jerónimo de Sousa, a fonte é o chamado “Compromisso Portugal”, aprovado em 2004, no célebre conclave do Beato, que, estamos lembrados, juntou a “nata” dos nossos empresários e gestores capitalistas. Nas sua conclusões, em matéria de Justiça, pode ler-se, a págs. 20, a proposta de “... introdução de um sistema de incentivos (incluindo prémio variável) na remuneração dos magistrados em função do seu desempenho.” Elementar!

A razão de ser de tais propósitos radica na sempre alegada morosidade processual que, sendo real, temo-lo dito, é geralmente mal analisada e sobretudo instrumentalizada, como é o caso. É sabido que os atrasos da justiça não se verificam em relação a todos os processos e, muito menos, a todos os intervenientes. Como é sabido, igualmente, que o “sistema” possibilita a quem tem dinheiro e conhecimentos utilizar a própria lei e os (oportunos) alçapões que abre para levar, quantas vezes, os processos à prescrição.

De resto, as “preocupações” dos interesses económicos pela justiça e pela “crise da justiça” vão ao ponto de a apresentar como a fonte e causa da própria «crise» da economia, asseverando que a economia portuguesa só avançará se mudar o sistema da justiça. Daí os apelos recorrentes à sua reforma e as propostas que há longo tempo vêm apresentando, muitas das quais vão pouco a pouco fazendo o seu caminho, como aconteceu com o Pacto para a justiça, assinado por PS e PSD, ideia que foi parida, e que está em letra de forma, no já referido conclave.

No fundo, tudo ideias, propostas e soluções que visam levar a água ao moinho da estratégia de subordinar o poder judicial ao poder económico, de que o PSD tem sido um fiel defensor, em convergência com o PS e o seu Governo.

Neste, como noutros campos, o Programa Eleitoral do PCP, não dá margem para dúvidas, adiantando entre outras propostas e considerações em torno dos problemas da Justiça, que: “A dignidade do Poder Judicial exige a dignificação das profissões jurídicas e das suas condições de trabalho (…)”. Este é um compromisso, sempre assumido, que o PCP continuará a honrar na próxima legislatura.