Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral do PCP
Debate: «Injustiças sociais e distribuição do Rendimento Nacional»
15 de Julho de 2009

Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral do PCPJerónimo de Sousa, no Debate em Lisboa sobre “Injustiças Sociais e Distribuição do Rendimento Nacional”, no âmbito da elaboração do Programa Eleitoral do PCP para as eleições legislativas,  afirmou que há outras alternativas, que as injustiças sociais não são uma fatalidade e que a ruptura com esta política e a construção de uma solução política de esquerda são um imperativo para assegurar um Portugal de progresso e justiça social. 

Retomamos hoje mais uma iniciativa do Ciclo de Debates de preparação do Programa Eleitoral do PCP para as eleições legislativas, sobre “Injustiças Sociais e Distribuição do Rendimento Nacional”.  

Um Programa que quer ser um compromisso com os trabalhadores, o povo e o país e uma resposta aos mais importantes problemas que o nosso desenvolvimento e os portugueses enfrentam, o menor dos quais não será, certamente, o profundo e persistente desequilíbro existente na distribuição do rendimento e da riqueza nacionais e que está na origem das nossas inaceitáveis desigualdades sociais.  

Antes de mais quero agradecer a vossa presença e antecipadamente o contributo de cada um, neste debate que desejamos e, com certeza será, um enriquecimento da nossa orientação e das nossas propostas.  

É um facto objectivo indesmentível e incontestado que Portugal está no topo dos países da União Europeia com mais profundas desigualdades sociais e tem uma muito injusta evolução da repartição do rendimento nacional. Isso é muito visível comparando a evolução dessa repartição entre os anos de 1974 e a actualidade. 

A participação do trabalho no rendimento nacional, em 1975, de 59,5% para os 40,6% no ano do início do mandato do actual governo do PS, revela o plano inclinado da evolução da participação dos salários na riqueza nacional. 

Este é o traço que define a natureza anti-social da política de direita das últimas três décadas e a demonstração clara ao serviço de quem esteve tal política: ao serviço dos grandes interesses económicos e da concentração capitalista.     

Traço que se prolongou no período do governo de José Sócrates. Nos últimos quatro anos a quebra acumulada dos salários, de acordo com as estatísticas europeias, foi de 1,5% e, a confirmarem-se as previsões do Eurostate para o presente ano de 2009, os salários reais dos trabalhadores tornaram a cair.  

Uma evolução que distancia ainda mais os trabalhadores portugueses dos outros trabalhadores europeus que segundo a mesma fonte e no mesmo período na União Europeia (27) viram crescer os seus salários reais (2,6%). 

A mesma evolução negativa em relação às reformas e pensões que neste período baixaram também em termos reais, cerca de 0,8% as pensões mais baixas e 2% as pensões superiores a 597 Euros. 

A manutenção de reformas de miséria e de baixos salários são a explicação para os escandalosos níveis de pobreza que atingem mais de dois milhões de portugueses.  

O aumento da riqueza criada no país desde 1974 que quase duplicou foi desviada significativamente para alimentar o processo de centralização e concentração de riqueza nas mãos de uma minoria, como confirma o facto de, no final de  2007, as 100 maiores fortunas do nosso país totalizarem 32 mil milhões de euros, o que correspondia a cerca de 20% do PIB do nosso país.  

Processo que não tem interregno em tempo de crise, como o evidenciam os lucros de mais de 500 milhões de euros dos cinco maiores bancos em actividade no país nos primeiros três meses deste ano. O mesmo se pode dizer dos cinco maiores grupos económicos do sector da energia e telecomunicações que apresentaram mais de 550 milhões de euros de lucro no mesmo período.   

Um processo que alimenta igualmente a exportação de uma grossa e crescente fatia da riqueza , sob a forma de lucros e de juros, para o capital estrangeiro.   

É esta realidade que confirma a falácia da propaganda das preocupações sociais deste governo do PS e da sua aposta num novo modelo de desenvolvimento económico. O que esta evolução evidencia é a consolidação do modelo económico português, assente nos baixos salários e, cada vez mais, no trabalho sem direitos. 

A veracidade desta afirmação e desta constatação está bem patente também nas estatísticas do INE sobre o emprego deste primeiro trimestre do ano que revelam que mais de 40% dos assalariados portugueses recebem menos de 600 euros mês. Uma realidade que discrimina de forma ainda mais injusta a mulher trabalhadora. Mais de 44% das mulheres empregadas recebiam uma remuneração inferior a 500 euros.  

O PS e o seu governo gostam de se apresentar ao país, distinguindo-se pelas suas preocupações sociais, mas o primeiro e mais decisivo critério que pode revelar uma real preocupação social e uma vontade efectiva de promover uma maior justiça social é o critério da distribuição do rendimento e da riqueza.  

E de acordo com este critério o governo do PS de José Sócrates não só não se distingue dos governos e das políticas do PSD/CDS-PP que o precederam com as mesmas práticas e consequências, como promoveu novos desequilíbrios com a sua ofensiva global contra o mundo do trabalho e os direitos sociais.  

Uma ofensiva suportada também no seu premeditado empolamento do combate ao défice que foi pretexto para aumentar a carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho e das largas massas e para um novo impulso à política de liquidação progressiva do carácter publico e universal das funções sociais do Estado.  

Mas se a tendência é  de uma crescente injustiça em relação à distribuição do rendimento nacional, em relação à política fiscal, ela não só não atenua os desequilíbrios na distribuição da riqueza, como é  fonte de novas injustiças e factor de promoção de mais desigualdade.  

Desde o princípio da década até há dois anos atrás, ou seja entre 2000 e 2007, segundo um relatório do mês passado da própria Comissão Europeia, a carga fiscal passou de 34,3% para 36,8%.  

O governo veio dizer que este aumento é o resultado dos avanços no combate à fraude fiscal e da diminuição da economia paralela, mas na verdade o que vimos, com este governo e logo no seu primeiro ano, foi o aumento dos impostos indirectos, o mais injusto dos impostos que pesa na vida e no consumo das camadas populares e a seguir o aumento dos impostos sobre os rendimentos do trabalho, pela via da actualização dos escalões do IRS aquém da inflação e dos impostos aos reformados. 

José Sócrates anda agora a prometer justiça fiscal à “classe média”  como diz, mas nada apaga a profunda injustiça que se instalou com o agravamento dos impostos para o mundo do trabalho, enquanto as grandes empresas, os grandes bancos, o grande capital, recebia milhões em benefícios fiscais ao mesmo tempo que se abriam as portas à engenharia fiscal para reduzir a metade a taxa de IRC para os grandes senhores do dinheiro.     

Foi para contrariar estas tendências que em vários momentos da presente legislatura apresentámos propostas que a maioria recusou de valorização dos salários e das reformas, incluindo de um mais substancial reforço do Salário Mínimo Nacional e alterações significativas no sistema fiscal, visando uma maior justiça. 

Com o governo do PS e a coberto de medidas sociais de alcance limitado e aplicação restrita tomaram-se medidas que se traduziram numa acentuada degradação das condições de vida e de trabalho de largas massas, ao mesmo tempo que se criava o caldo de cultura para fomentar o rebaixamento generalizado das remunerações do trabalho e pressionar o nivelamento por baixo dos direitos laborais.  

As políticas que secundarizaram o objectivo do crescimento com mais emprego e que acabaram por levar ao aumento elevadíssimo do desemprego, que hoje atinge 625 mil trabalhadores tornando-se um preocupante problema nacional, fonte de injustiça, de degradação das condições de vida e de pobreza, não é o único elemento a pressionar a deterioração das condições de trabalho e a acentuar as desigualdades.  

Não é por acaso que a taxa de risco de pobreza dos desempregados atingiu já em 2007 o nível mais alto de sempre, 35%, um número hoje já desactualizado.  

Com este governo do PS e com a sua política formatada na matriz neoliberal, apesar das piedosas declarações em contrário, tudo tem feito para fragilizar a resistência e resposta, incluindo no plano legal, dos trabalhadores à exploração. Foi assim com o Código de Trabalho e a prática legalização do trabalho precário que com este governo do PS colocou Portugal nos lugares cimeiros da precariedade na União Europeia. 

Hoje um em cada três trabalhadores são precários, tendo ficado nesta situação, nos últimos quatro anos, mais 110 900 trabalhadores. É por isso que nestes quatro anos não foi a promessa de melhor emprego que se cumpriu, mas a de uma alteração da estrutura de emprego pior e mais mal pago. Hoje, os salários médios em situação precária estão já reduzidos em cerca de 1/3.   

O trabalho precário é hoje, na verdade,  uma fonte de desvalorização dos salários e um factor de forte redução da participação do trabalho no rendimento nacional e que atinge particularmente os jovens trabalhadores e os jovens casais. Jovens que são empurrados para um mundo do trabalho absolutamente desprotegidos, disponíveis para trabalhar a troco de quase nada e lançados no mundo da precariedade.   

Esse mundo onde a juventude se vê despojada de direitos, com baixos salários, contratos a prazo, trabalho temporário, sem apoio à constituição de família, à habitação e também a sofrer de forma particularmente dura as consequências do desemprego, cuja taxa na juventude atinge cerca de 20,3% – a maior de sempre.  

Essa juventude que sente como ninguém o peso da habitação no rendimento familiar, com a dupla penalização dos baixos salários e pagamento de juros e serviços com preços draconianos impostos por grandes empresas protegidas e a preço de cartel.   

Mas factor de pressão para acentuação da depreciação do valor do trabalho e de injustiça  é também a situação criada por este governo com a alteração das regras de acesso ao subsídio de desemprego.  

Objectivamente o que se promove e o que está a acontecer é com a escassa oferta de empregos e a existência de mais de 300 mil trabalhadores que não recebem nenhum  subsídio é o aumento da exploração do trabalho, traduzido em exclusivas ofertas de trabalho precário e salários baixíssimos iguais ou próximos do salário mínimo nacional, mesmo para tarefas e trabalhos que exigem qualificações e habilitações elevadas.  

No negro quadro das injustiças sociais pesa de forma crescente outra componente que conheceu com o governo do PS de José Sócrates, uma nova dimensão – a do ataque às funções do Estado de Abril - , particularmente na saúde, educação e segurança social com a transferência dos seus custos para orçamentos das famílias e das pessoas. 

A política de mercantilizarão dos direitos que só não tem ido mais longe, pela luta de resistência dos trabalhadores e das populações, mas que tem efectivamente acrescentado novos encargos a rendimentos de trabalho degradados, promovendo uma efectiva redução do poder de compra dos salários e das reformas. Mas profundamente injusta e geradora de pobreza e exclusão no futuro, num país que tem dos mais baixos salários, é a tão cantada reforma da segurança social.  

Essa pérola de uma esquerda que se diz moderna, mas que ficará na memória dos portugueses não por ter feito avançar a roda da história no sentido do progresso e do bem-estar de todos, mas por ter promovido uma reforma que é uma escandalosa regressão civilizacional. 

A mais que certa redução gradual das pensões de todos os trabalhadores que se reformaram a partir de 2006 não será assinalada como uma marca de modernidade, mas como a marca de uma retrógrada política que sob tal capa visa fazer tábua rasa das conquistas sociais e económicas resultantes de um século de lutas sociais. Uma política que assumiu como sua bandeira as propostas da direita e do neoliberalismo dominante.  

Com a agudização da crise do capitalismo internacional que acrescentou crise à nossa crise é o mundo das desigualdades chocantes que cresce, com os grandes interesses a impor as suas condições leoninas ao mundo do trabalho para manterem os mesmos níveis de lucros.

Mais desemprego, lay-off, salários em atraso,  reduções salariais temporárias que se querem depois tornar definitivas são instrumentos de aprofundamento das desigualdades e das injustiças sociais, mas também regionais, com determinadas populações, pela concentração de determinados sectores a sofrer as consequências agravadas da crise.  

O agravamento da crise do capitalismo a que assistimos só veio revelar a crise profunda que minava a sociedade portuguesa e dar mais nitidez às fragilidades e ao fracasso de uma política que conduziu o país à degradação económica e social. Crise do capitalismo que tem na sua génese exactamente as mesmas políticas que hoje tão gravemente penalizam o País. 

É preciso dizer basta de injustiças a uma política que sacrifica sempre os mesmos.  

Neste debate de hoje, estamos certos,  ficará claro que no país há outras alternativas, que as injustiças sociais não são uma fatalidade e que a ruptura com esta política e a construção de uma solução política de esquerda são um imperativo para assegurar um Portugal de progresso e justiça social. 

Uma política alternativa que, baseada nos princípios e valores da Constituição da República, tenha como grandes objectivos a melhoria das condições de vida dos trabalhadores e da população.  

Uma política que tenha como eixo central e primeiro objectivo a valorização do trabalho e dos trabalhadores, que signifique uma redistribuição da riqueza produzida anualmente em Portugal, como factor de justiça social mas também como questão crucial para a dinamização do mercado interno e acréscimos da produtividade.  

Uma justa distribuição do rendimento, assente na valorização dos salários, das reformas e pensões, numa nova política fiscal e de defesa do sistema público de segurança social que assegure o direito à reforma e a uma pensão digna.  

Uma nova política que comporte o objectivo do pleno emprego, a defesa do emprego com direitos, o combate à precariedade e a uma efectiva protecção social dos desempregados. 

Uma política que promova uma administração e serviços públicos ao serviço das populações, nomeadamente um Serviço Nacional de Saúde de qualidade,  geral, universal e gratuito; a afirmação da Escola Pública como factor necessário e imprescindível do desenvolvimento do país e a defesa de um sistema público, solidário e universal de Segurança Social. 

Uma política alternativa que dê resposta com medidas concretas a propostas inadiáveis a urgentes problemas que, nomeadamente,  respondam uma efectiva protecção aos desempregados, que garantam a anulação dos aspectos negativos do Código do Trabalho e da legislação de trabalho da Administração Pública, que reponham a dignidade da profissão docente com a revogação do actual Estatuto da Carreira Docente e a alteração do modelo de avaliação, a devolução da justiça e equidade nos critérios de cálculo e na actualização das reformas e a melhoria das pensões e reformas e a salvaguarda do direito à reforma aos 65 anos.  

Estes são eixos de uma política e propostas que assumiremos no nosso Programa Eleitoral, juntamente com outras que o debate que estamos a desenvolver trará.   

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«A razão mais importante para o alargamento das taxas moderadoras (...) não foi nem o objectivo moderador, nem o objectivo financiador, mas sim uma preparação da opinião pública para a eventualidade de todo o sistema de financiamento ter de ser alterado.» -- Correia de Campos, ex-ministro da Saúde do PS, no seu livro Reformas da Saúde - o fio condutor

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