Intervenção de António Filipe
Direitos, liberdades e garantias. A justiça e o regime democrático
28 de Abril de 2009

Caros amigos e camaradas,

A X Legislatura fica marcada por uma degradação acentuada da democracia política e das condições de exercício dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. A prepotência, a repressão insidiosa das críticas e dos protestos, as tentativas de governamentalização da investigação criminal, a negação prática do direito à Justiça, a construção de um Estado cada vez mais policial mas onde os cidadãos se sentem cada vez mais inseguros, a desvalorização de direitos fundamentais constitucionalmente consagrados, têm sido imagens de marca da governação do PS que tornam inadiável uma ruptura com os aspectos fundamentais desta política.

Em breves minutos, procurarei sublinhar nove pontos que me parecem incontornáveis para um programa alternativo ao actual estado de coisas, tendo em conta os desafios que vamos enfrentar na próxima legislatura.

1.º - Defender e melhorar a democracia política. A defesa da democracia política implica a defesa da democraticidade e da proporcionalidade dos sistemas eleitorais e a criação de condições para uma melhor participação dos cidadãos no funcionamento do sistema político. Assim, importa travar o passo a quaisquer tentativas para reduzir ainda mais o grau de proporcionalidade do sistema eleitoral para a Assembleia da República, seja através da redução do número de deputados, seja através da criação de círculos uninominais ou da redução da dimensão dos círculos existentes, bem como a quaisquer tentativas de acabar com a eleição directa e proporcional dos executivos municipais.

Impõe-se, por outro lado, reduzir o número de assinaturas necessárias para que os cidadãos possam apresentar iniciativas legislativas ou de referendo à Assembleia da República e valorizar o exercício do direito de petição junto de quaisquer entidades públicas.

2.º - Garantir o exercício dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos que a Constituição amplamente consagra, e que não só não podem ser letra morta, como é dever do Estado criar condições para que eles possam ser plenamente efectivados.

A actuação de diversas autoridades, como governadores civis, forças de segurança, directores gerais ou regionais, presidentes de câmara, ou mesmo entidades privadas, com o objectivo de impedir ou limitar o exercício do direito à greve, a realização de reuniões, manifestações, plenários de trabalhadores, distribuições de documentos, recolha de assinaturas, afixação de mensagens, ou quaisquer acções de natureza política, sindical ou de mera cidadania, através de acções directas abusivas ou com recurso à intimidação ou à perseguição por via disciplinar, policial ou judicial, não é tolerável num Estado Democrático. Impõe-se por isso a adopção de uma medida legislativa que permita aos cidadãos recorrer de actuações ou decisões de quaisquer autoridades que sejam violadoras dos seus direitos constitucionalmente consagrados e obter em tempo útil a necessária reparação. Para esse efeito, a consagração de um Recurso de Amparo junto do Tribunal Constitucional, tem vindo a tornar-se um imperativo democrático que deve ser assumido na próxima legislatura.

3.º - Garantir o acesso à Justiça. Num tempo em que cada vez mais cidadãos vêm negado o seu acesso à Justiça por razões de insuficiência económica, importa tomar medidas para que todos tenham acesso à tutela jurisdicional efectiva. Para isso, importa alterar o iníquo regime das custas judiciais, tornando menos oneroso o acesso aos tribunais e garantindo um regime de isenções socialmente justo, designadamente em matéria de justiça laboral; assegurar um serviço público de Acesso ao Direito que garanta a defesa oficiosa e o patrocínio judiciário dos cidadãos de menores recursos; garantir a acessibilidade dos cidadãos aos tribunais, contrariando as opções economicistas que estiveram na base do “mapa judiciário”.

A necessária informatização dos serviços dos tribunais, que só peca por tardia, não pode funcionar como pretexto para reduzir o número de funcionários e de magistrados ou para fechar tribunais, nem pode pôr em causa a indispensável segurança dos processos. Os tribunais portugueses precisam de mais e melhores instalações, e de pessoal em número suficiente para reduzir a morosidade na realização da Justiça.

Importa por outro lado alargar a rede de julgados de paz, que foi criada por iniciativa do PCP, e alargar as respectivas competências, designadamente em matérias criminais que não envolvam penas de prisão.

4.º - Criar condições para o sucesso da investigação criminal, travar o passo às crescentes limitações que têm vindo a ser impostas à independência do poder judicial e à autonomia constitucional do Ministério Público e romper com as tentativas de controlo governamental da investigação criminal.

Devem ser asseguradas condições de total independência dos juízes, na instrução e julgamento dos processos; deve ser escrupulosamente respeitada a autonomia do Ministério Público e dos seus magistrados na direcção funcional da investigação criminal e devem ser dotados os órgãos de polícia criminal com os meios materiais e humanos indispensáveis ao cumprimento eficaz e tempestivo das suas missões. Para esse efeito, é indispensável a revogação da lei que governamentaliza a definição das orientações e prioridades de política criminal e é urgente a revalorização da Polícia Judiciária, o preenchimento dos seus quadros e o reforço dos seus meios periciais.

Importa corrigir as opções tomadas pelo PS em matéria de segredo de justiça, que prejudicam seriamente a investigação dos crimes de maior complexidade; e reforçar o regime legal do combate à corrupção e à criminalidade económica e financeira, designadamente através da criminalização do enriquecimento ilícito no exercício de cargos públicos, da agravação do regime sancionatório das infracções de natureza económica e financeira de modo a superar a actual situação em que o crime compensa, e do combate sem equívocos aos off-shores e ao sigilo bancário.

5.º - Garantir o Estado de Direito Democrático. Nos últimos anos, a pretexto do combate ao terrorismo, tem vindo a avançar a marcha forçada a criação de um Estado securitário. A criação do cargo de Secretário-geral do SSI e a fusão dos Serviços de Informações sob tutela directa do Primeiro-Ministro; a total ausência de fiscalização democrática desses serviços; a pressão no sentido de permitir a realização de escutas telefónicas pelos serviços de informações; a criação de condições para uma total devassa da privacidade dos cidadãos, com recurso aos mais sofisticados meios; a adopção de medidas especiais de polícia; o tratamento e intercâmbio de dados pessoais entre serviços nacionais e internacionais sem qualquer controlo democrático, obrigam a colocar na ordem do dia com muita premência a necessidade de travar esta deriva securitária que põe em causa valores essenciais do Estado de Direito Democrático.

Assim, há que rever a legislação relativa ao sistema de segurança interna e aos serviços de informações, de modo a garantir um controlo democrático efectivo das suas actividades, a prevenir eficazmente quaisquer actuações ilegais e a evitar a concentração excessiva de poderes em entidades directamente dependentes do poder político. A revisão do regime do segredo de Estado, de forma a consagrar a sua excepcionalidade e a fiscalizar a sua utilização, assume uma importância decisiva.

6.º - Assegurar a segurança e tranquilidade dos cidadãos enquanto valor inseparável do exercício das suas liberdades. A garantia da segurança e tranquilidade dos cidadãos exige uma forte aposta na prevenção e no policiamento de proximidade. Impõe-se por isso reforçar os meios de acompanhamento e fiscalização da execução da lei de programação de investimentos nas forças de segurança, melhorar as respectivas instalações e equipamentos, dotá-las com o número de efectivos suficiente e adequar o dispositivo policial à missão fundamental de garantir a segurança e tranquilidade das populações.

As forças de segurança não podem ser instrumentalizadas para intervir em conflitos laborais ao lado do patronato e contra os trabalhadores, para limitar ou impedir o exercício das liberdades cívicas, para intimidar trabalhadores, estudantes, utentes de serviços públicos, ou seja quem for que se manifeste contra a política do Governo.

As forças de segurança têm de estar ao serviço da democracia e têm se ser organizadas em moldes democráticos, no respeito pelos direitos sindicais e sócio-profissionais dos seus elementos. A atribuição de natureza militar a forças de segurança como a GNR ou a Polícia Marítima, contraria a natureza própria das suas missões, limita de forma abusiva os direitos dos seus profissionais, e não é consentânea com a distinção constitucional existente entre as Forças Armadas e as Forças de Segurança. Nesse sentido, importa consagrar na lei a natureza civil de todas as forças de segurança, rever o estatuto profissional dos seus elementos de modo a garantir o respeito pelos seus direitos e a motivação para o exercício das suas missões, e revogar quaisquer disposições legais que permitam a utilização das forças armadas em missões de segurança interna que não sejam do âmbito da busca e salvamento ou do auxílio em missões de protecção civil.

7.º - Adoptar políticas de reinserção social e de humanização do sistema prisional. É necessário que o essencial do plano para a reforma do sistema prisional, apresentado há mais de cinco anos, seja finalmente concretizado. Impõe-se melhorar as condições de habitabilidade das prisões, garantir apoio médico e psicológico aos reclusos, assegurar condições dignas de trabalho voluntário e de formação com vista a uma futura reinserção social e tomar medidas de valorização do estatuto profissional dos guardas e de outros trabalhadores do sistema prisional.

8.º - Respeitar os direitos dos imigrantes. As políticas restritivas de imigração, ao impedir o acesso de trabalhadores imigrantes ao mercado de trabalho legal e ao impossibilitar a sua regularização, têm vindo a criar enormes bolsas de marginalização social, de exploração desenfreada e de violações de direitos humanos, e têm sido a causa de graves desequilíbrios sociais.

Para o PCP, a luta pela legalização dos imigrantes e suas famílias, e pela igualdade de direitos entre trabalhadores nacionais e estrangeiros, assume desde há muitos anos uma importância decisiva. Assim, na próxima legislatura, impõe-se a revisão da lei da imigração num sentido mais favorável à legalização, a garantia de acesso ao trabalho em condições de igualdade, a garantia de direitos dos imigrantes em face dos poderes discricionários do SEF, o acesso dos cidadãos estrangeiros a direitos e prestações sociais, bem como a Ratificação por Portugal da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos dos Imigrantes e das suas Famílias.

9.º - Garantir a liberdade de imprensa. A concentração dos órgãos de comunicação social nas mãos de um reduzido naipe de grupos económicos tem vindo a por em causa a liberdade de imprensa, o direito a informar e a ser informado, e os mais elementares direitos dos jornalistas. Os recentes despedimentos e a extrema precariedade profissional do sector assumem uma gravidade sem precedentes. Importa por isso alterar o Estatuto dos Jornalistas, impondo o respeito pelos seus direitos profissionais e deontológicos; adoptar legislação anti-concentração; garantir medidas de respeito pelo pluralismo e isenção dos meios de comunicação social e defender os serviços públicos de rádio e de televisão.

Concluo, camaradas: sem dúvida que numa matéria tão vasta como os direitos, liberdades e garantias, foi mais o que ficou por dizer do que o que foi dito. A defesa da democracia e do Estado de Direito implica um vasto programa com múltiplas dimensões, complementares e indissociáveis, de defesa de conquistas e valores da Revolução de Abril e de luta incessante por transformações de sentido progressista. São esses os valores por que lutamos. É esse o Programa que queremos levar por diante.

Lisboa, 28 de Abril de 2009

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