Intervenção de Fernando Sequeira
Aparelho produtivo e desenvolvimento económico
28 de Abril de 2009

As teorias acerca da crescente desmaterialização das economias, nos seus diversos matizes tentaram e ainda tentam, mesmo após a agudização da crise do sistema, fazer passar a ideia de que o crescimento económico e o desenvolvimento podem ter lugar, cada vez mais, sem recorrer à produção material. Como sabemos, tal ideia, é lançada para esconder o fenómeno crescente da financeirização das economias, com todo o rasto de fenómenos negativos que tal tem arrastado, e de que a presente agudização é a clara expressão.

Mesmo no quadro de um processo de distribuição constrangido e desigual, nos planos nacional e internacional, o desenvolvimento da ciência e da técnica e suas aplicações dinâmicas, designadamente a nível do desenvolvimento e lançamento de novos produtos, ao permitir colocar no mercado, cada vez mais e mais bens materiais, nega à evidência esta tese.

Tudo o que nos rodeia, dos edifícios às infra-estruturas, à imensidão de bens e serviços  que hoje utilizamos, evidenciam à exaustão a existência e a necessidade da produção material.

O Programa do PCP, ao colocar como finalidade última do desenvolvimento económico a melhoria do nível e da qualidade de vida dos portugueses, designadamente a satisfação das necessidades materiais e culturais do Povo e dos trabalhadores, numa perspectiva de evolução histórica dessa mesmas necessidades, é muito claro a respeito desta questão.

Evidentemente que defendiamos e defendemos, que é sobretudo a produção material – de bens de consumo, mas também intermédios e de investimento -  que responde a tal desiderato estratégico, pois que os próprios bens culturais, muitos deles de carácter menos tangível, têm sempre por detrás, a produção material, para puderem ser criados, desenvolvidos e fruídos.

Pelo menos desde a conferência “A saída da crise” realizada em 1977, para já não falar em textos hoje históricos, anteriores a 1974, do nosso camarada Álvaro Cunhal, que a questão da produção material nacional e das suas insuficiências, foi sendo colocada de forma persistente e sistemática pelo nosso Partido.

Face à persistência e mesmo ao agravamento, decorrente das políticas anti-nacionais e anti-populares dos sucessivos governos, do desequilíbrio entre a procura – mesmo que constrangida face ao nosso nível de desenvolvimento - e a oferta de bens, que diagnosticámos um conjunto de défices estruturais na nossa economia, de que são de destacar, o défice alimentar, o défice energético, o défice de produção de bens de equipamento, o défice tecnológico e o défice da balança de transportes com o exterior.

Este desequilíbrio e estes défices, têm a sua expressão sintética mais evidente no défice da balança de pagamentos com o exterior, particularmente o da balança de mercadorias, o qual, com pequenas oscilações, vêm apresentando valores cada vez mais perigosos e dramáticos, com consequências, por sua vez, sobre a dívida externa.

Esta situação, inequivocamente decorrente de um processo de substituição da produção nacional da agricultura, das pescas, da actividade extractiva e da indústria transformadora e da própria produção energética, pela importação de bens e produtos produzidos no estrangeiro, constitui um factor de empobrecimento e de dependência estratégica do país face ao estrangeiro, com reflexos evidentes sobre o exercício da soberania.

Como é evidente, esta situação não é fruto do acaso e tem responsáveis. São os sucessivos governos e as suas políticas em evidente aliança estratégica com o grande capital nacional e internacional.

Ao mesmo tempo que esta situação persiste e se agrava, num quadro prenhe de contradições, o país não vê aproveitado, ou se o vê, raramente é no interesse nacional, as amplas e diversificadas riquezas naturais, do mar, do subsolo, da terra e ainda aquelas decorrentes da orografia e do posicionamento geográfico do país – condições climatéricas e de relações com outros países – e que também permitiriam potenciar e desenvolver de forma sustentável as pescas, a agricultura, a silvicultura, a indústria extractiva e muitas actividades da indústria transformadora a jusante destas, bem como da própria produção energética a partir de fontes renováveis endógenas.

Nas pescas, a situação é de verdadeiro crime contra a economia nacional, pois que até mais grave  que a destruição ou não renovação das frotas, é a destruição, por vezes quase irreversível, de uma tradição e de um saber e saber fazer seculares.
A balança de pescado é cada vez mais deficitária, e muitos dos pesqueiros em águas sob a nossa jurisdição, são entregues à exploração estrangeira.

Como é sabido, para além de reflexos sobre as contas externas, o esvaziamento desta actividade tem também efeitos desastrosos sobre a indústria de construção e reparação naval, particularmente dos pequenos e médios estaleiros.
Um exemplo acabado desta política, é o esvaziamento e por fim a própria destruição física, da Escola de Pescas e de Comércio situda em Pedrouços, única no país. Como é possível ter pescas sem pessoal devidamente habilitado?Como é possível cometer-se mais este crime?

Na agricultura, a produção nacional é também crescentemente substituida pelo recurso às importações no quadro da congregação das políticas comunitárias, com as orientações dos governos nacionais. Só fogem um pouco a esta linha a produção leiteira e animal.

Esta situação das pescas e da agricultura, estão na base do galopante crescimento do défice alimentar, questão verdadeiramente estratégica com repercussões no domínio da defesa e do exercício das soberania.

Na actividade silvícola, é a lógica da utlização dos solos para a plantação quase exclusiva de espécies com interesse para a indústria da pasta e do papel, desprezando outras fileiras produtivas e descuidando o equilíbrio ecológico da floresta.

Na indústria extractiva, é entregando as concessões de pesquisa e exploração das enormes, diversificadas e estratégicas reservas nacionais de metais básicos – cobre, zinco, estanho, chumbo, etc. – e outros – tungsténio -preciosos – ouro, prata - e energéticos estratégicos – urânio – ao capital privado e estrangeiro, sem qualquer, ou com muito reduzida transformação em território nacional. Esta saque, é tanto mais grave, quanto estamos perante matérias- primas não renováveis.

No também enorme e diversificado potencial energético em energias primárias renováveis que o país possui, associado à produção de electricidade, o seu aproveitamento não é feito, ou quando o é, tem lugar de forma não planeada ou no estricto interesse do capital privado envolvido.

Na indústria transformadora, vítima de um continuado processo de desindustrialização decorrente da aplicação de políticas claramente anti-industriais,  em muitos aspectos associado e decorrente do processo de privatizações, é cada vez maior a presença directa ou indirecta do capital multinacional, para além de que da a acção concertada ou pelo menos convergente dos governos e do grande capital nacional, foram deslocadas partes significativas dos investimentos, da actividade produtiva para actividades associadas ao terciário e à gestão de infra-estruturas, com um claro empobrecimento do nosso perfil de especialização.

A actual fase de agudização da crise do sistema capitalista, trouxe, relativamente à indústria nacional, tendências e fenómenos aparentemente contraditórios, que urge analisar de forma mais aprofundada do que até hoje fizémos.

Se, por um lado, há quem pense, e julgamos que acertadamente, que serão as economias mais industrializadas aqueles que a prazo melhor resistirão à crise e às suas sequelas, a verdade é que, enquanto a indústria transformadora da zona euro teve uma quebra de 12 % em 2008, em Portugal, a variação homóloga do índice de produção industrial bruto entre Janeiro de 2008 e Janeiro de 2009, foi de menos 21,7% na indústria transformadora e de 35,2% na indústria extractiva, valor que é quase o dobro do comunitário e várias vezes superior à quebra do PIB no mesmo período.

A questão da dinamização da produção nacional em todas as suas vertentes, sendo indiscutivelmente uma condição básica do crescimento económico e do desenvolvimento em termos gerais, deve também ser associada a dois aspectos económica e socialmente relevantes e que estão sempre na ordem do dia, a saber, a importância e significado do mercado interno e dos salários e pensões.

Um mercado interno superior a 10 milhões de consumidores, contrariamente ao que muitos dizem, não é um mercado residual e sem interesse. Se, no fundamental, fôr ocupado por produção nacional em vez de importações, dinamizará um imenso tecido de micro e pequenas empresas, e, mesmo nalgumas situações, algumas médias empresas, produtores actuais ou potenciais de bens de consumo, designadamente de alguns bens de consumo duradouros- por exemplo pequenos domésticos – e mesmo bens intermédios e alguns de investimento.

Por outro lado, o crescimento efectivo do poder de compra dos salários e das pensões, dinamizará a procura, que, deverá ser tendencialmente respondida pela produção nacional, desde que, haja políticas que a apontem nesse sentido.

Sem naturalmente menosprezar, bem pelo contrário, a importância da exportação de bens transaccionáveis, para a criação de riqueza e equilíbrio das contas externas, o mercado interno deve contudo reassumir uma importância perdida. E para isso, a conjugação planeada da produção nacional e o aumento do poder de compra dos trabalhadores e dos reformados, para além de necessárias, são perfeitamente compatíveis.

Por outro lado ainda, face às diferentes elasticidades da procura dos diferentes tipos de bens, alterações significativas na repartição do rendimento, podem também aliviar a pressão sobre a procura externa e dinamizar a produção nacional de bens de consumo, designadamente bens culturais que podem ter uma reduzida componente externa.

A defesa intransigente da produção nacional e do seu aumento, foi e é uma constante das posições do PCP no domínio das políticas económicas, bem ao contrário das orientações e particularmente da praxis das outras forças políticas.

A defesa intransigente da produção nacional, não deve ser encarada no quadro de dicotomias e antagonismos entre os sectores de produção de bens materiais e importantes áreas do terciário, cujo desenvolvimento deve ser por nós encarado como virtuoso, pois, em princípio, decorre clara e inequivocamente da melhoria das condições de vida dos trabalhadores e do povo em geral- são disso exemplo, o crescente acesso à educação, à saúde, à cultura e a muitos bens associados ao lazer.
Ao contrário, situações ocorrem, em que a lógica de acumulação e centralização do capital, pode subverter e subverte o interesse da produção de bens materiais. Temos o exemplo, do que ocorreu com a produção desenfreada de habitação entre meados da década de 90 e meados desta década, claramente contra o interesse nacional e com reflexos tremendos sobre a dívida externa, o endividamento das famílias e o próprio perfil de especialização.

Ainda no que à defesa da produção nacional concerne, os grandes projectos em curso ou previstos, independetemente da avaliação que deles façamos, constituem uma oportunidade única, que se gerida de forma patriótica, pode ajudar a relançar e ou a dinamizar algumas actividades produtivas, sobretudo as relacionadas com a produção de bens de equipamento e bens intermédios, bem como actividades a montante, como sejam as de projecto.

Tal relançamento, pode ser feito, quer directamente, sempre que existirem condições objectivas materiais, mas sobretudo vontade política, quer indirectamente, no quadro de adequadas e justas contrapartidas, a negociar de forma firme e no quadro do interesse nacional , com futuros adjudicatários.

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