As "máscaras" a cair!

José Neto
 

José Neto

“A resolução da crise no sistema de Justiça do Estado deverá passar pela privatização de alguns serviços”.

“Vamos assistir a uma privatização da justiça, como assistimos à privatização de sectores como o da segurança”.

“O futuro da advocacia passa pelo aumento dos serviços jurídicos, com a privatização de alguns sectores”, onde  os advogados “poderão encontrar novas oportunidades”.

“A mediação de conflitos e a arbitragem são áreas onde os advogados podem dar respostas às necessidades das empresas e das pessoas e, ao mesmo tempo, contrariar a descredibilização em que a Justiça portuguesa caiu”.

Estas pérolas, recentemente vindas a público, num encontro do Instituto dos Advogados de Empresa (IAE), que decorreu em Lisboa, pertencem (já adivinharam?) ao inestimável Daniel Proença de Carvalho, advogado, de entre outros interesses, do 1º Ministro Sócrates.

É uma teoria fantástica, esta. Como a Justiça está descredibilizada, privatiza-se!

E com a privatização de sectores da justiça, os advogados, às voltas com as saídas profissionais (ou a falta delas) “poderão encontrar novas oportunidades”. Elementar!

Elementar mas lamentável, porque à teoria corresponde  já uma prática. Que alastra.

Ou seja, do que se trata, neste discurso, é de teorizar, de sustentar, de caucionar, de impulsionar uma linha estratégica da política de direita para a Justiça.

Que este governo prosseguiu e levou mais longe do que nenhum outro. A saber, a da desresponsabilização do Estado pela função judicial – como temos visto. Encerram-se tribunais e serviços  de justiça, degrada-se o aparelho judicial. Retira-se a maioria da conflitualidade e dos processos dos tribunais do Estado, passando a resolução dos litígios para formas privadas, que crescem dia-a-dia, como é o caso das arbitragens, da conciliação e da mediação privada. E abre-se ao sector privado uma nova área de negócio.

Foi assim com a escandalosa privatização da acção executiva, bloqueando a cobrança de dívidas (excepção feita às grandes empresas e grupos) que devia ser da competência exclusiva dos tribunais; com a privatização dos notários;  com a mediação  privada, fora dos tribunais, mesmo na área criminal, ou com a crescente privatização de funções e serviços do sistema prisional.

Mais grave, a justiça está hoje transformada num bem cada vez mais inacessível.

Uma justiça cada vez mais cara, com custas e taxas de justiça elevadíssimas e tribunais mais distantes. Sem, na prática, qualquer direito à informação jurídica e ao apoio judiciário que, como se sabe,  não abrange sequer um trabalhador que aufere o salário mínimo. Mas com o infindável arrastamento dos processos, anos a fio, quer na justiça cível, quer sobretudo na justiça laboral com os prejuízos sérios que daí resultam.

Em consequência, não  é só o acesso ao “serviço público” de justiça que se vê cada dia mais reduzido e limitado, mas acima de tudo um direito fundamental que é denegado –  o “Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva” que o artigo 20º  da Constituição da República  expressamente garante, em condições de igualdade, a todos os cidadãos.

Com esta estratégia, todas as reformas se traduzem em pior justiça e no agravamento das condições em que os cidadãos podem a ela recorrer. Este processo acelerado de desjudicialização dos litígios  e de privatização da justiça torna, seguramente, os cidadãos mais indefesos do que já hoje estão.

É contra este estado de coisas e por um outro rumo para uma justiça acessível a todos que o PCP e a CDU vão continuar a bater-se.