Gustavo Carneiro

Gustavo Carneiro
Concluiu-se ontem a primeira fase da preparação do Programa Eleitoral do PCP para as eleições legislativas de 27 de Setembro. Uma fase marcada pela realização de debates e audições sobre temas variados importantes – como produção, emprego, educação, saúde, poder local, juventude, investigação, pobreza e desigualdades, política externa, etc. –, ouvindo militantes e simpatizantes comunistas e especialistas nas várias matérias em debate. Em todos eles, as intervenções proferidas constituem importantes documentos de análise da situação actual do País, desvendando as causas dos problemas e propondo soluções.

Como seria, aliás, de esperar, a comunicação social dominante achou por bem silenciar estas iniciativas do PCP, reduzindo-as a uma ou duas frases, desvirtuando o seu conteúdo, nuns casos; ou pura e simplesmente não aparecendo e nada dizendo sobre elas, noutros. Desta forma procuraram apagar o carácter profundamente participado e ligado à vida da construção do programa eleitoral do PCP, bem como do conteúdo das propostas ali enunciadas.

Assim podem continuar a tentar reduzir o «debate» eleitoral entre o PS, cujo programa, apresentado com honras de directos televisivos, volta a prometer o contrário do que em quatro anos foi feito; e do PSD, que entre ataques mal esgalhados ao PS tenta esconder as profundas semelhanças que une estes dois partidos – responsáveis, com a ajuda do CDS-PP, pela terrível situação que hoje se vive no País, de que os trabalhadores, os jovens, os reformados e muitas outras camadas sociais sentem, dolorosamente, na pele.

Uma coisa pode-se retirar do conteúdo destes debates: ao contrário dos outros, o PCP e a CDU não aceitam como inevitável o estado a que o País chegou. Na audição sobre produção nacional e aparelho produtivo, apropriadamente realizada na Península de Setúbal, os comunistas lembraram as responsabilidades dos sucessivos governos na destruição de importantes – e válidas – empresas industriais portuguesas, como a Lisnave, a Siderurgia Nacional e a Quimigal, naquela região, ou a Sorefame e a Mague, no distrito de Lisboa. Agora que tanto se fala das grandes obras públicas (como se da questão essencial se tratasse) sucede que, a avançarem, Portugal terá de comprar a empresas estrangeiras o que antes produzia com inegável qualidade. E isto nada tem a ver com inevitabilidades, mas com opções políticas.

Mas o Governo não aprendeu a lição e continua a entregar tudo o que o País tem ao capital privado. Veja-se a situação do Arsenal do Alfeite, que a partir de Setembro, vira SA, e dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, que passará a ser participado, em parte, por um grupo holandês. O ministro da Defesa já garantiu que o Estado continuará a deter a maioria do capital. Mas fazendo exercícios de memória, todos nos lembraremos de outras «empresarializações» de unidades industriais nacionais, que foram apenas um primeiro passo para a sua completa privatização e, em muitos casos, destruição.

Terminada que está esta primeira fase, entra-se agora noutra: a redacção do programa, incluindo nele o essencial desta rica e frutuosa discussão. A terceira fase será levá-lo o mais longe possível, aos trabalhadores e ao povo. Certos de que ninguém o fará por nós.

Vítor Dias

Vítor Dias
Provavelmente não poucos leitores, mais informados, mais atentos ou exigentes, dirão que o que se segue já foi dito e que não é pela repetição que lá vamos. Permito-me entretanto chamar a atenção desses leitores que a grande questão que se deve colocar não é se o que, uns e outros, aqui escrevemos é inteiramente original ou não, mas sim se o que de verdadeiro, justo e esclarecedor aqui escrevemos já chegou tão longe quanto devia. E também me permito chamar a atenção desses leitores para que os nossos adversários eleitorais esses não só não tem pruridos de originalidade como, tal como diabo da cruz, fogem de todos os desafios concretos que lhe lancemos à cara.

Por mim, ainda agora, noutro espaço, acabo de desafiar os esquadrões blogosféricos que se mobilizam para o voto no PS para se pronunciarem sobre a comparação entre o que o PS veio vergonhosamente a fazer em matéria de Código de Trabalho e aquilo que, sobre a matéria havia escrito ( e eu reproduzi integralmente) no seu Programa Eleitoral de 2005 e até agora o saldo é que ninguém daquela banda piou fosse o que fosse.

Na verdade, sem pretender ser certeiro ou muito menos exaustivo, cada dia de pré-campanha que passa mais me convenço que são duas as principais cartas em que o PS aposta na batalha das legislativas (e que qualquer delas já terá tido o seu peso na deslocação de algumas pessoas da área do BE para o apoio ao PS).

A primeira consiste em tudo fazer para que, no pensamento dos eleitores, tudo o que de mais chocante, agressivo, intolerável e revoltante decorreu da política governamental destes últimos quatro anos e meio fique envolto numa espécie de nevoeiro ou, dito de outra forma, abrangido por um género de amnésia colectiva e submerso por uma nova onda de promessas, piscar de olhos à esquerda e palavrório futurante.

E daqui decorre a imperiosa necessidade de campanha da CDU conseguir conciliar a indispensável afirmação da solidez, justeza e credibilidade da nova política e projecto que propõe com a implacável rememoração do que de mais odioso, grave e injusto aconteceu no país neste último mandato, por responsabilidade do PS e do seu governo.

A segunda principal carta em que o PS aposta é o velhíssimo truque do «voto útil»(como bem sabemos, útil para quem o recebe, sempre inútil para quem o dá) no PS como alegada «única» forma de evitar o regresso ao poder do PSD ou de uma coligação pós-eleitoral PSD-CDS.

Ora, a este respeito, havendo até intelectuais e professores universitários em movimento de deslocação política que o parecem ignorar, nenhum dúvida de que é preciso levar a toda parte alguns esclarecimentos e raciocínios que a muitos de nós podem parecer óbvios e elementares mas que não o são para centenas de milhar de portugueses. A saber:

1. Para voltarem a governar o país, PSD e CDS precisam de votos neles e devia meter-se pelos olhos adentro que votos nas forças à esquerda do PS (designadamente na CDU) não são votos no PSD e CDS e sempre serão votos que lhes faltarão para obterem a maioria absoluta de que carecem, do que só pode decorrer a evidência notória que votar CDU em nada favorece um regresso do PSD-CDS ao governo;

2. Ao contrário do que tanta gente julga, é uma falsidade de todo o tamanho supor que o que determinará a formação do governo subsequente às eleições é saber qual é o partido mais votado. Imaginemos, por exemplo, que o PSD até fosse o mais votado mas, caso como CDS não formasse uma maioria absoluta, bastava o PS assim querer e nunca um governo PSD-CDS veria a luz do dia. Inversamente, imaginemos que o PS era o partido mais votado mas que havia uma maioria absoluta PSD+ CDS. Nesse caso, alguém duvida que quem formaria governo não seria o PS mas a coligação pós-eleitoral PSD- CDS ?.

3. Assim sendo, fica claro que o que determinará a possibilidades ou variantes de curso governativo pós-eleitoral é o tipo de maioria numéricas multipartidárias que saiam dos resultados eleitorais.

4. E, saindo dos esclarecimentos de base numéricos, de toda a evidência o que eleitoral e politicamente mais determinará o curso dos acontecimentos e mais pode influenciar a conquista das políticas e soluções de que Portugal precisa é um significativo reforço da CDU, aliás absolutamente merecido pelo seu combate dos últimos quatro anos e meios, pelo seu enraizamento social, pelas suas garantias de coerência e pela valia e acerto das suas propostas e programa.

No passado dia 15 de Julho o INE disponibilizou os resultados provisórios do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento das Famílias Portuguesas, realizado nos meses de Maio e Julho de 2008 e referente ao ano de 2007.

Este é um Inquérito feito simultaneamente nos vários países comunitários e em que no caso português são inquiridas 5122 famílias.

Os resultados mais significativos deste Inquérito indicam que 18% dos portugueses viviam abaixo do limiar de pobreza, o que significa que cerca de 2 milhões de portugueses viviam em 2007 com um rendimento mensal por adulto equivalente não superior a 406 euros por mês e ainda que o rendimento dos 20% da população com maior rendimento era 6,1 vezes superior ao rendimento dos 20% da população com menor rendimento.

A leitura comparativa destes resultados com anos anteriores permite concluir que a percentagem de pobres no nosso país se manteve inalterada nos últimos três anos (2005, 2006 e 2007) e que a desigualdade na distribuição do rendimento se atenuou de 6,8 em 2005 para 6,1 em 2007.

Só no final do ano serão disponibilizados os dados comparativos para todos os países comunitários, pelo que só nessa altura saberemos se em 2007 o nosso país deixou de ser o país comunitário com maior desequilíbrio na distribuição do rendimento.

Posto isto o leitor menos atento pode ser levado a concluir que afinal as coisas em termos de pobreza e desequilíbrio na distribuição do rendimento estão melhores. Mas infelizmente não é assim.

A leitura cuidadosa deste Inquérito permite-nos concluir que a taxa de pobreza dos portugueses com emprego subiu de 2006 para 2007, de 10% para 12%, ou seja cerca 620 mil trabalhadores em 2007 mesmo trabalhando eram considerados pobres – mais 105 mil do que em 2006 -, e para além disso o número de desempregados pobres não para de subir. Em 2005 31% da população desempregada era considerada pobre, em 2006 essa taxa subiu para 32% e em 2007 essa taxa atingiu já os 35%. Trocando esta percentagem por número de desempregados, no final de 2007 cerca de 164 mil dos trabalhadores então desempregados integravam os cerca de 2 milhões de pobres do nosso país.

Os números acima apresentados vêm demonstrar com muita clareza que é urgente aumentar os salários reais dos trabalhadores portugueses, em especial daqueles que auferem salários mais baixos, e alterar as condições de atribuição do subsídio de desemprego – reduzindo o tempo necessário para aceder a ele e aumentando o seu montante -. Razão têm os deputados do PCP que desde que este Governo em 2006 agravou as condições de acesso ao subsídio de desemprego não têm parado de interpelar o Governo sobre esta matéria exigindo a sua alteração para melhor.

Uma nota final sobre este Inquérito às Condições de Vida e Rendimento das Famílias Portuguesas, para dizer que lamentavelmente um Inquérito computorizado feito a 5122 famílias só é disponibilizado um ano depois e desta forma, não é possível julgar em tempo o Governo PS pelo estado em que nesta matéria deixou o país no final deste mandato. Certamente mais pobre, mais desigual e mais injusto ou não fossem os anos de 2008 e 2009 os piores deste ciclo PS.

Francisco Madeira Lopes

Francisco Madeira Lopes
Nesta altura e ambiente de pré-campanha eleitoral, o Governo tenta ajustar o discurso para melhorara a imagem e voltar a tentar virar a casaca mais uma vez, oferecendo-se aos eleitores como “a alternativa viável à esquerda”. Fê-lo em 2005, com assinalável sucesso, ao conseguir a sua primeira maioria absoluta da história. O que fez com ela, foi claro e evidente ao longo destes 4 anos e meio… Não mudou nada do que criticava ao PSD: prosseguiu a obsessão pelo défice, continuou a cortar no investimento público, a diminuir o papel do Estado, a apostar no liberalismo, a enfraquecer os direitos dos trabalhadores, a privatizar bens públicos ou a sua gestão, a fazer do ambiente, não uma causa, não um pilar fundamental do desenvolvimento, mas sim uma oportunidade de negócio para alguns.

Contudo, numa das áreas em que se tornou mais visível a faceta neoliberal deste Governo, a Educação, continua, inapelavelmente em marcha a mesma política de degradação da Escola Pública. Até mesmo ao final deste ano lectivo, o Ministério da Educação fez tudo o que podia para desestabilizar as escolas, para enxovalhar e insultar os professores, para atacar e agredir os sindicatos de professores, para abrir verdadeiras fracturas na relação mínima de confiança e respeito institucional que deveria existir entre o Governo e todos os restantes parceiros sociais educativos.

Eu sei que os exemplos de grupos profissionais atacados, diminuídos, desprezados, desrespeitados são numerosos e o rol é longo. Dos agricultores, passando pelos enfermeiros, agentes de segurança, acabando, em bom rigor na generalidade dos funcionários públicos (generalidade dos trabalhadores por conta de outrem para ser mais correcto), o Governo malhou a bom malhar, aumentando a idade da reforma, congelando salários, atacando as próprias estruturas sindicais e afectando a sua capacidade de actuação junto dos trabalhadores.

Mas na Educação, o chocante é ver como os ataques aos professores tem um único fito: a redução da despesa em educação, assente maioritariamente em salários com pessoal docente, o que não é de estranhar já que o professor é o principal “instrumento” de educação no nosso país. O que é chocante é que seja um Governo dito Socialista a dar passos tão definitivos (que a própria direita teve vergonha de dar, mas nos quais se revê praticamente na íntegra) na destruição da escola púbica, agravando o elitismo no ensino, pondo em causa os deveres constitucionais de garantir o direito à educação de qualidade para todos, com igualdade de oportunidades. O que é chocante é que se continua a olhar para a educação não como investimento mas como despesa.

Perante as reformas impostas à força, sem negociação digna desse nome por recusa da tutela em aceitar discutir fosse o que fosse, recorrendo permanentemente à chantagem, à ameaça, à mentira, distorção de factos, à calúnia, ao insulto, os sindicatos, pela primeira vez na história da Democracia uniram-se, apresentaram propostas, discutiram, lutaram.

É fundamental que essa luta no próximo dia 27 de Setembro se reflicta penalizando a política do PS, não recompensando o PSD/CDS, mas sim quem tem estado na luta, sempre, do lado certo: a CDU!

Quantas vezes os militantes e apoiantes do PCP e da CDU não ouvem: "eu até concordo com vocês, e admiro o vosso trabalho, mas vocês não vão lá ...". Não vão lá? Lá, aonde? Este tipo de discurso revela desde logo um incompreensão do teor das eleições legislativas que se aproximam. Revela aquilo que os partidos do Bloco Central, com a cumplicidade da comunicação social, tendem a promover: que as eleições para a composição dos 230 membros da Assembleia da República (AR) são na verdade eleições para o governo, ou mesmo eleições para Primeiro-ministro.

A esta descaracterização das eleições legislativas acresce a pressão, de novo do Bloco Central e seus porta vozes, de que o país precisa de estabilidade e governabilidade. Atrevo-me a dizer que o país precisa precisamente que não haja uma nova maioria absoluta. A história recente da nossa democracia vem demonstrando que os governos sustentados por uma maioria absoluta da AR tendem a diminuir o papel deste órgão, que pelo pluralismo de forças ali pressentes mais estreitamente representa, a nível nacional, as vontades e aspirações dos eleitores. O órgão capaz de fiscalizar e confrontar o governo, através das suas Comissões, dos requerimentos e perguntas.

O partido da maioria na AR assume uma atitude de enorme arrogância, chumbando a maior parte dos projectos de lei das restantes forças parlamentares, por mais mérito que tenham. Excepção a esta regra são as leis mais lesivas para o país, que unindo os grupos representantes da política de direita, aprovam leis que reduzem o papel dos serviços públicos, protegem os interesses do capital e atacam os trabalhadores. O executivo assume a mesma arrogância, reduzindo o diálogo com os parceiros sociais, ou limitando-o a mera fachada, e avança com as suas políticas mostrando desdém pelas forças sociais que resistem aos ataques aos seus direitos. O governo caracteriza estas forças como de atraso, que defendem interesses corporativas, como se o governo não estivesse a defender os interesses do grande capital nacional e internacional, e dando razão ao cartaz sindical que afirma "Maiorias absolutas, destroem direitos". Se a estabilidade fosse um bem absoluto, quase que somos levados a concluir que os 48 anos do período fascista foram os anos de melhor governabilidade.

A verdade é que o país desta fase precisa que nenhum partido, em particular do PS ou PSD, atinjam uma maioria absoluta. Precisa, sim, de um reforço das forças de esquerda, e em particular um reforço da CDU. Voltando ao cliché enunciado no início, a CDU chega lá, à AR. E aí destaca-se como força determinada e coerente. Os grupos parlamentares do PCP e do PEV destacam-se pela qualidade e quantidade de trabalho parlamentar, através da apresentação de propostas alternativas. Que estas não recebam o destaque público devido, leva muitos eleitores a acusar estas forças como meras forças de oposição e crítica, que não apresentam alternativas, quando tal não poderia estar mais longe da verdade. Os deputados do PCP destacam-se também por não serem beneficiados nem prejudicados pelo seu trabalho parlamentar, sendo imunes às acusações genéricas que os deputados só procuram o tacho.

A próxima AR precisa de reforçar as vozes empenhadas não apenas numa alternância, na mudança de fachada, mas numa verdadeira ruptura com a política de direita, com força para fiscalizar e confrontar o governo. Este reforço é tão mais importante na medida em que a próxima sessão legislativa irá considerar a revisão da Constituição da República Portuguesa, cuja alteração necessita de uma maioria de dois terços.

José Neto

José Neto
“A resolução da crise no sistema de Justiça do Estado deverá passar pela privatização de alguns serviços”.

“Vamos assistir a uma privatização da justiça, como assistimos à privatização de sectores como o da segurança”.

“O futuro da advocacia passa pelo aumento dos serviços jurídicos, com a privatização de alguns sectores”, onde  os advogados “poderão encontrar novas oportunidades”.

“A mediação de conflitos e a arbitragem são áreas onde os advogados podem dar respostas às necessidades das empresas e das pessoas e, ao mesmo tempo, contrariar a descredibilização em que a Justiça portuguesa caiu”.

Estas pérolas, recentemente vindas a público, num encontro do Instituto dos Advogados de Empresa (IAE), que decorreu em Lisboa, pertencem (já adivinharam?) ao inestimável Daniel Proença de Carvalho, advogado, de entre outros interesses, do 1º Ministro Sócrates.

É uma teoria fantástica, esta. Como a Justiça está descredibilizada, privatiza-se!

E com a privatização de sectores da justiça, os advogados, às voltas com as saídas profissionais (ou a falta delas) “poderão encontrar novas oportunidades”. Elementar!

Elementar mas lamentável, porque à teoria corresponde  já uma prática. Que alastra.

Ou seja, do que se trata, neste discurso, é de teorizar, de sustentar, de caucionar, de impulsionar uma linha estratégica da política de direita para a Justiça.

Que este governo prosseguiu e levou mais longe do que nenhum outro. A saber, a da desresponsabilização do Estado pela função judicial – como temos visto. Encerram-se tribunais e serviços  de justiça, degrada-se o aparelho judicial. Retira-se a maioria da conflitualidade e dos processos dos tribunais do Estado, passando a resolução dos litígios para formas privadas, que crescem dia-a-dia, como é o caso das arbitragens, da conciliação e da mediação privada. E abre-se ao sector privado uma nova área de negócio.

Foi assim com a escandalosa privatização da acção executiva, bloqueando a cobrança de dívidas (excepção feita às grandes empresas e grupos) que devia ser da competência exclusiva dos tribunais; com a privatização dos notários;  com a mediação  privada, fora dos tribunais, mesmo na área criminal, ou com a crescente privatização de funções e serviços do sistema prisional.

Mais grave, a justiça está hoje transformada num bem cada vez mais inacessível.

Uma justiça cada vez mais cara, com custas e taxas de justiça elevadíssimas e tribunais mais distantes. Sem, na prática, qualquer direito à informação jurídica e ao apoio judiciário que, como se sabe,  não abrange sequer um trabalhador que aufere o salário mínimo. Mas com o infindável arrastamento dos processos, anos a fio, quer na justiça cível, quer sobretudo na justiça laboral com os prejuízos sérios que daí resultam.

Em consequência, não  é só o acesso ao “serviço público” de justiça que se vê cada dia mais reduzido e limitado, mas acima de tudo um direito fundamental que é denegado –  o “Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva” que o artigo 20º  da Constituição da República  expressamente garante, em condições de igualdade, a todos os cidadãos.

Com esta estratégia, todas as reformas se traduzem em pior justiça e no agravamento das condições em que os cidadãos podem a ela recorrer. Este processo acelerado de desjudicialização dos litígios  e de privatização da justiça torna, seguramente, os cidadãos mais indefesos do que já hoje estão.

É contra este estado de coisas e por um outro rumo para uma justiça acessível a todos que o PCP e a CDU vão continuar a bater-se.

Miguel Tiago

Miguel Tiago
Em Portugal há este gosto especial pelo desporto. Este gosto que se vê, por vezes, até pendurado nas janelas ou mesmo das antenas dos automóveis fazendo hastes, sob a forma de bandeiras nacionais. Em Portugal há uma política desportiva que estimula esse gosto, desde que ele nunca se converta em vontade de praticar desporto. Porque, na verdade, o desporto nacional não é o futebol, nem tampouco qualquer outra actividade física ou desportiva. O desporto nacional é afinal apenas “ver futebol” sentado no sofá, ou à mesa do café.
Confunde-se assim, com forte contributo dos sucessivos governos, desporto com indústria, actividade física com sedentarismo e consumo de publicidade. Se é, por um lado, compreensível que as grandes empresas, onde se incluem as SAD’s, procurem no desporto uma indústria lucrativa; não é, por outro, justificável que os governos alinhem nessa política do anti-desporto. Uma política desportiva para os portugueses não se pode traduzir nos meros patrocínios do Estado às competições nacionais e internacionais. Uma política desportiva para os portugueses deve ter como primordiais objectivos o alargamento da prática desportiva e a efectivação do direito ao desporto, à actividade física, à saúde e à qualidade de vida  para todos os portugueses, elevando a estrutura nacional de desporto, ao invés de criar uma “elite desportiva” profissional desportiva dedicada à alta-competição e ao alto-rendimento, sem que exista uma estrutura de prática regular e popular. E a política desportiva do actual governo nesta matéria, tal como o anterior, traduz-se essencialmente na transformação do Estado em mero organizador de eventos comerciais onde o desporto é apenas o pretexto para a angariação de clientes e do consequente lucro. 
Ver o jogo na TV, levantar a cerveja à boca, enfiar a mão numa taça de amendoins salgados, sentado no sofá enquanto se bate a cinza do cigarro é um ócio a que todos nos vamos habituando, mas é a síntese do anti-desporto. E é o resumo da política desportiva que vamos tendo em Portugal. Cada vez mais um povo espectador, cada vez menos um povo praticante.
Mais do que organizar europeus, mundiais, de construir infra-estruturas desportivas de elite, Portugal carece de uma estrutura nacional desportiva, de matriz popular e democrática, assente numa rede de infra-estruturas desportivas de livre acesso, numa promoção real do desporto escolar, do apoio ao associativismo desportivo e recreativo, no reforço dos equipamentos desportivos, municipais e nacionais. Para uma verdadeira política desportiva, é precisa uma política de esquerda, que coloque acima da indústria do lucro através do desporto o direito à prática desportiva democrática e massificada. Uma política desportiva que promova a alta-competição e o alto-rendimento a partir de uma promoção popular do desporto e da captação e detecção de talentos, ao invés de fazer da obtenção de medalhas o alfa e o ómega da sua intervenção.  Não será possível, enquanto o desporto se cingir ao negócio e à obtenção de lucro estimulando o sedentarismo, ou enquanto o desporto for apenas o pretexto para a organização de eventos comerciais e publicitários de grande envergadura, difundir a alargar a prática desportiva. Não será possível no quadro de uma política de direita, dinamizar uma política desportiva real, pois o desporto representa um importante vector da emancipação do ser humano, uma componente essencial da sua cultura integral.

Com uma capa de aparente democraticidade e voluntarismo parece que pegou a moda de grupos de cidadãos se dirigirem aos partidos. Foram os economistas na defesa de um modelo liberal, exigindo mais flexibilidade para despedir. Outros se seguiram com fórmulas do mesmo tipo para a cultura. Agora um novo grupo aparece preocupado com a família e exigindo dos partidos clareza sobre a protecção e defesa da família.
Como se fossem pessoas sem qualquer filiação partidária, actual ou remota, como se fossem pessoas de elevada e insuspeita cultura cidadã, como se fossem seres que nunca estiveram nos próprios centros do poder exactamente afectos a partidos, estes cidadãos que tantos manifestos têm endereçado aos partidos em vésperas de eleições, mostram exactamente a face de intransigência, imodéstia e desrespeito pela lei fundamental do país que consagra direitos fundamentais aos cidadãos - de se organizarem dentro e fora dos partidos, também eles parte intrínseca da sociedade civil.  
Entre os assinantes deste manifesto - que dizem querer votar em liberdade - preocupados com a protecção da família estão deputados vinculados a forças partidárias, secretários de Estado e mesmo ministros de governos vários, de há 30 anos para cá, com graves responsabilidades no descalabro a que chegou uma grande parte das famílias portuguesas. Os docentes universitários, aparentemente mais distantes dos círculos de poder, alguns são ou foram conselheiros políticos das mais altas figuras do Estado em Portugal e na União Europeia e logo com larga possibilidade de influir nos destinos do País. Arrogam-se todos o direito de fazer recomendações aos partidos. Não ao Governo. Arrogam-se o direito de exigir dos partidos mas não pedem responsabilidades ao Governo quanto à pobreza e desemprego crescentes. Não se incomodam com os atropelos aos direitos dos portugueses com a aprovação de um Código de trabalho que retira o direito ao trabalho com direitos, flexibiliza o horário de trabalho, tornando mais incompatível a conciliação da vida dos trabalhadores com uma vida familiar, código que os partidos deles aprovaram e que o PCP reprovou. Não responsabilizam as políticas de precariedade dos empregos para homens e mulheres e para os jovens, a que eles próprios deram luz verde, impedindo os casais de assumirem a natalidade e livremente organizarem a sua vida. Não se incomodam se as mulheres trabalhadoras têm actualmente e sem ameaças de despedimento o direito de uma maternidade feliz e responsável, vivendo cabalmente a gravidez ou a assistência à família. Esta moda dos manifestos não é ingénua. O que estes magos pretendem é fazer crescer a onda do descontentamento contra os políticos e mormente contra os partidos, descredibilizar e desvirtuar a política, e por fim desmobilizar o sonho de igualdade na vida, levar ao descrédito quanto a uma possibilidade real dos portugueses terem uma vida melhor, se a opção política dos portugueses, no voto, tiver outro rumo.

Nada trazendo de proposta para a mudança real de política mais não são que formas ardilosas para esbater a força organizada dos trabalhadores, dos intelectuais, dos quadros técnicos, das mulheres, e de tantas camadas da população que exercem activamente a democracia participativa, intervindo e lutando para terem no dia a dia uma vida melhor e um futuro com segurança. Contrariamente às reivindicações silenciadas ou deturpadas do PCP, estes manifestos, de cinzentão espectro político, têm honras de acontecimento mediático. Por isso são muito perigosos! O voto na CDU dará a resposta a tão habilidosa campanha.




Rita Rato

Rita Rato

Perguntava o Dinis.
Daniel, Dinis e David são três irmãos que vivem numa pequena aldeia no Alentejo. Não naquele interior profundo, perdido na planície, quase na fronteira. Não, a casa deles é a 170 km de Lisboa, a 2 horas de caminho.
A mãe, uma jovem de 29 anos, era operária agrícola na vinha, monocultura que “invadiu” os campos no Alentejo, mas de há um ano para cá trocou a violência dos invernos gelados, e o calor sufocante dos verões, por auxiliar de apoio à terceira idade num lar. Trabalha por turnos, de sábado a sábado, e folga um dia por semana rotativamente. Recebe pouco mais que o salário mínimo, mas pelo menos tem trabalho.
O pai, um jovem de 33 anos, é servente numa pequena empresa de construção civil, que lá vai resistindo à crise e arranjando trabalho quando o há. Não terminou o 6° ano de escolaridade e começou a trabalhar muito cedo.
O empréstimo da casa e do carro para pagar todos os meses e 5 bocas para alimentar obrigam a uma ginástica orçamental.
Para ganhar mais algum, e porque o trabalho ameaça escassear, o pai não tem férias, e a mãe nos dias que vai ter, vai aproveitar para trabalhar no campo para ajudar a pagar as despesas.

Esta estória é igual a tantas outras que grassam de norte a sul do país e ilhas. Tentando trocar as voltas à dureza da vida, e às dificuldades que teimam em não abalar, são milhares os trabalhadores portugueses, em especial jovens, que não gozam férias e trabalham quase os 365 dias do ano.
E mesmo assim, trabalhando quase de sol a sol, o dinheiro que amealham não chega para o que é preciso. E ai de quem fica doente e tem que ir ao médico, isto estraga logo o orçamento planeado ao cêntimo e não fossem as ajudas da família e havia muita gente que só lá ia com mezinhas.
E ainda por cima as férias calham logo no mês antes da escola começar! Que o mesmo é dizer que é melhor ir contando com umas largas dezenas de euros a abrir o mês, e não se comece a fazer contas…
Mas volta e meia em horário nobre, quase mais parecendo páginas televisivas das revistas cor-de-rosa, aparecem “pérolas”jornalísticas sobre destinos de sonho em hotéis de 5 estrelas, e com o remate final que os portugueses “não têm não têm, mas lá vão para o estrangeiro de férias seja Carnaval, Páscoa ou Verão”. Mas que portugueses são estes? Não são certamente os que aproveitam o subsídio de férias para ir ao oftalmologista e trocar as lentes dos óculos, comprar um frigorífico melhor, ir ao dentista ou pagar o seguro do carro.
Para além daqueles que justamente usufruem deste direito, outros há que prolongam nas férias a vida luxuosa que têm durante o ano. São aqueles que amealharam no último ano milhões de euros de lucro à custa da exploração do trabalho dos que não têm férias. São aqueles que estão contentes com o Sr. Engenheiro Sócrates e lhe desejam muitos anos de vida a governar Portugal. São aqueles que não lhes faz “comichão” nenhuma a revisão da Constituição, e lhes agrada que a Gripe A chegue cá depressa para “despachar” mais uns postos de trabalho.
   
Daniel, o mais velho já tem o computador Magalhães, facilitada a aquisição com o escalão A da acção social escolar, sonha um dia ser jogador de futebol. Dinis quer ser marinheiro porque assim viajará muito e saberá qual a cor do mar. David ainda brinca com a bola das cores primárias e sorri com os pintainhos. Hão-de ter férias um dia, e levarão os filhos a ver o mar.

Gustavo Carneiro

Gustavo Carneiro
Quase que me fugia a mão para comentar a mais recente alarvidade de Alberto João Jardim acerca da necessidade da proibição constitucional do comunismo (dizendo, no fundo, aquilo que outros, mais comedidos, pensam mas “baixinho”), quando dei de caras com um grande cartaz do PS para as eleições europeias, que ainda não foi substituído, e que dizia assim: «O PS combate a crise. Os outros combatem o PS».

Se o que esse cartaz revelava era uma grande falta de vergonha do PS, nada mudou após a estrondosa derrota eleitoral que sofreu a 7 de Junho – facto que nem as promessas de humildade do primeiro-ministro conseguem apagar (lembram-se da garantia de que iria manter o rumo da sua política?).

Fiquemos agora com alguns exemplos de como é que o PS combate a crise, ficando-nos por alguns poucos exemplos pós-7 de Junho. O grupo parlamentar do PCP apresentou algumas propostas na Assembleia da República cujo objectivo eram apenas minimizar os efeitos da crise nos trabalhadores e nas camadas mais desfavorecidas. Nada de revolucionário, portanto... Apenas decente.

Uma primeira proposta pretendia alterar o regime legal da suspensão temporária do contrato de trabalho, o célebre lay-off, que tanto tem crescido nos últimos meses. Entre as medidas apontadas pelos deputados comunistas surgia a necessidade de decisão governamental prévia para uma empresa poder decretar o lay-off; a garantia de que em nenhum caso o trabalhador auferirá menos de três quartos da sua remuneração habitual; a diminuição dos encargos da Segurança Social e consequente redução das isenções das entidades patronais; ou a aplicação das mesmas reduções remuneratórias aos gerentes, administradores e directores que são aplicadas aos restantes trabalhadores. Que disse o PS a esta proposta? Votou contra! Certamente em nome do combate à crise...

Outra das propostas do PCP que o PS chumbou previa o alargamento dos critérios de atribuição do subsídio de desemprego. O objectivo era, simplesmente, garantir que neste quadro de aumento fulgurante do desemprego, mais portugueses pudessem beneficiar deste importante apoio social. A indexação do subsídio de desemprego ao salário mínimo nacional, a majoração das prestações sociais em caso de desemprego simultâneo na mesma família, ou o aumento dos prazos de concessão das prestações eram algumas das medidas que o PCP defende e que o PS achou por bem rejeitar.

A alteração da fórmula de cálculo das pensões foi também defendida pelo PCP há poucas semanas. O modelo actual, o Indexante de Apoios Sociais (IAS) condiciona o aumento das pensões de todos os trabalhadores – do público ou do privado – bem como outras prestações à inflação e ao crescimento do PIB. Enquanto o crescimento económico for inferior a 2 por cento, como sucede há largos anos, sucede que as pensões mais baixas (até 611 euros, ou seja, 90 por cento delas) não desfrutam de qualquer aumento real do seu poder de compra.

É assim que o PS, tão lesto a apoiar com milhões a banca e os banqueiros, combate a crise – a real, aquela que atinge severamente muitos milhares de portugueses e as suas condições de vida. E é por isso que o PCP e a CDU combatem o PS e a sua política. Porque sabem que há outro caminho!