A Responsabilidade da Escolha

Gilberto Lindim Ramos
 

Gilberto Lindim Ramos

Em épocas de crise, como a que vivemos actualmente, surge com uma frequência cada vez maior a seguinte questão, posta em especial pelos grandes grupos económicos e pelas grandes empresas: dadas as dificuldades que se apresentam às empresas e que levam a uma quebra substancial nas suas vendas e, consequentemente, à quebra dos lucros ou até ao aparecimento de prejuízos há que fazer sacrifícios, pelo que os empregados devem ceder alguns dos seus direitos tendo como contrapartida a garantia de manutenção dos seus empregos.

Não tratando aqui o facto, importante, de que se a empresa esquecendo as suas obrigações, acabar por fechar e o seu dono nada sofrer pelo incumprimento dessas obrigações, passemos ao assunto que agora nos interessa analisar, dada a importância que tem no futuro dos trabalhadores e dos seus descendentes.

Caberá aos seus funcionários decidir. E trata-se de uma decisão extremamente difícil de tomar, pois pode significar a passagem à situação de desempregado, ou pelo menos à de trabalhar em condições piores do que as anteriores.

Se a situação for analisada sem ter em conta as consequências da decisão não só no momento mas também no futuro, a decisão, embora mais ou menos dolorosa, será  relativamente fácil de tomar, pois é evidente que o prejuízo que advém da cedência em matéria de alguns direitos ou regalias é menos grave do que a passagem à situação de desemprego.

Mas uma primeira objecção surge desde logo. Comparando a situação dos trabalhadores em meados do século XIX com a do início do século XXI, pelo menos nos países economicamente desenvolvidos, é evidente que há uma diferença muito significativa para melhor. Mas julgo que ninguém será capaz de afirmar que essas melhorias foram dadas de maneira pacífica como benesses dos capitalistas, condoídos pelas péssimas condições de vida dos trabalhadores.

Todas foram arrancadas pela luta dos trabalhadores e por cada vitória arrancada houve muitos casos em que eles foram derrotados, sofrendo as consequências dessa derrota. E mesmo aquelas que aparentemente foram concedidas sem luta, se analisarmos bem o que terá sucedido, verificaremos que foi a convicção de lhes era muito difícil e até arriscado para os seus interesse, tentar resistir, dadas as circunstâncias locais ou gerais em que eram apresentadas as reclamações.

Significa isto que as melhorias e a protecção conseguidas resultaram de enormes lutas e sacrifícios das classes trabalhadoras, que muitas vezes levaram ao desemprego e até, em condições mais difíceis, à perca da liberdade e mesmo à morte.

Há, portanto, que ter em conta que qualquer dos actuais direitos ou regalias que aceitem, sem luta, abdicar, tem atrás de si o combate e múltiplos sacrifícios de muitos dos seus camaradas que viveram anteriormente. E que para conseguir obtê-los de novo vai ser necessário voltar a lutar e a ter capacidade de se sacrificar, sem ter a certeza de que venha a ganhar Será ainda preciso não esquecer que com constantes e muito significativos progressos da ciência e da técnica aumenta constantemente a produtividade, pelo que será cada vez mais fácil para a generalidade dos patrões assumir as suas obrigações.

E também se terá de ter em conta que os responsáveis pela crises que no capitalismo surgem frequentemente e com intensidades várias, não são os trabalhadores. Essas crises são consequências intrínsecas do próprio capitalismo e são agravadas  pelos crimes económico-financeiros que o regime permite aos grandes detentores do capital. 


Não se deve deduzir do que acabamos de afirmar que as propostas de redução dos direitos e garantias dos trabalhadores deverão ser todas rejeitadas à priori e sem qualquer análise. Mas sim, o que achamos é que há que ter em conta todos os argumentos que apresentamos. Não será próprio duma classe trabalhadora que qualquer proposta apresentada pelos representantes da classe que os explora seja aceite, tendo apenas em conta a situação de momento.

Há, igualmente, que ter em conta se estamos perante uma proposta apresentada pelos representantes das grandes empresas ou dos grandes grupos económicos ou de pequenas e médias empresas em dificuldade e sem qualquer responsabilidade no que se está a passar.

Deve, pois, proceder-se a uma análise que, considerando em primeiro lugar os interesses gerais das classes trabalhadoras tenha em conta a real força dos antagonistas em presença para se poder ter uma ideia, tão real quanto possível, do resultado dessa luta. E, finalmente, deve analisar-se quais as medidas mais correctas para se poderem maximizar as probabilidades de se conseguir uma vitória, ou, pelo menos, para minimizar uma derrota e procurar alterar as condicionantes para se poder iniciar uma recuperação.

Quem deve tomar parte nas negociações e na luta serão os próprios trabalhadores, através dos seus representantes, por eles escolhidos, e que neles se devem apoiar sempre que tenham que tomar decisões tendentes a conseguir uma vitória ou a fortalecer a sua unidade.

Esta escolha de representantes é fundamental, pois que, se esses representantes forem permeáveis às pressões dos patrões ou não tiverem em conta o que realmente está em causa, olhando apenas para as consequências de momento, dificilmente poderão actuar de forma que seja a correcta para os interesses dos trabalhadores.

Só uma análise correcta e uma permanente ligação aos trabalhadores poderá levar a decisões que tenham em conta os reais interesses destes e, assim, prosseguir uma luta que só acabará quando se conseguir a vitória final para a classe trabalhadora.