Intevenção de Carlos Carvalhas
A importância das empresas básicas e estratégicas para a saída da crise
28 de Abril de 2009

No telejornal da RTP das 20 horas de 15.04.2009, comentando as últimas previsões do Banco de Portugal afirmava-se que esta era a pior recessão depois de 1975, acrescentando-se de forma nada inocente que tinha sido a altura das nacionalizações e da Reforma Agrária. Não se dizia que a recessão tinha ficado a dever-se às nacionalizações e à reforma agrária, mas ficava subentendido. Quem escreveu isto não só quis subtilmente faltar à verdade, como tomar uma posição preconceituosa e reaccionária. Não nos admirávamos que tivesse sido um socialista ou um ex-esquerdista.

Ao contrário do que sugeria o telejornal, a Reforma Agrária e as nacionalizações bem como a melhoria na distribuição do Rendimento Nacional foram decisivas para defender a jovem democracia sabotada pelos agrários e pelos grandes senhores do dinheiro e foram um instrumento fundamental para combater a crise internacional, como aliás o reconheceu o Banco Mundial, salvando inclusivamente grandes grupos económicos que estavam falidos, como o Grupo CUF, à data da revolução de Abril de 1974.

Também ao contrário do que tem defendido o PSD e alguns economistas bem instalados o aumento dos trabalhadores da função pública é uma das principais medidas de combate à crise, pelo alargamento do mercado interno, pela dinamização do comércio o que tem um grande significado designadamente nas regiões mais debilitadas economicamente.

O impacto deste aumento nas importações e na competitividade não se resolve com a degradação dos salários.

É certo que o PS só aumentou os trabalhadores da Função Pública em termos reais porque estamos em época de eleições e só os aumentou em 2,9% porque pensava que a inflação atingiria os 2,4%. Escreveu direito por linhas tortas. (1)

Nesta altura em que estamos a viver uma nova e mais profunda crise do capitalismo e em que comemoramos o 25 de Abril é importante que se lembre estas realidades, quando há quem continue a procurar apagar a memória e a reescrever a história.

Entregou-se valioso património público e sectores altamente lucrativos como a Banca e os Seguros a meia dúzia de famílias em operações que o mínimo que se pode dizer é que foram muito pouco claras, o que conduziu a uma brutal concentração de riqueza.(2)

Com a União Económica e Monetária empresas básicas e estratégicas privatizadas foram vendidas ao estrangeiro, que tem vindo crescentemente a dominar a economia portuguesa e a substituir a produção nacional pela importada . As privatizações facilitaram também a liquidação de importantes sectores da economia como foi o caso da metalomecânica pesada, da agro-química, da farmacêutica... É por isso que quando alguns afirmam, como o PSD, que os grandes investimentos em curso levarão a uma descomunal componente importada e a aumentar ainda mais a nossa dívida externa, estão a afirmar uma verdade, mas esquecem-se que isso se deve à liquidação do aparelho produtivo de que eles e o PS são responsáveis.

Na verdade hoje, mesmo para o TGV, não conseguimos fabricar nem um Wagon, pois como todos sabemos a Sorefame já foi liquidada.

É caso para perguntar o que é que o país ganhou com as privatizações. Perdeu soberania, perdeu capacidade de intervenção e de defesa da economia nacional, mas ganhou é certo, várias vigarices bancárias – ainda há poucos dias o presidente da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários disse que o BPP teve comportamentos semelhantes aos de Madoff – e uma fantástica concentração de riqueza. Termos hoje na União Europeia o palmarés do maior fosso entre os 25 mais ricos e os 25 mais pobres.

Mesmo em relação ao Orçamento o fisco nunca se interrogou porque é que logo a seguir às privatizações o nível de cobrança de impostos destas empresas diminuía e porque razão é que a Caixa foi sempre o banco que mais contribuiu para as receitas do Estado!

A importância dos “centros de decisão nacionais” é reconhecida por muitos e difícil de contestar, de tal maneira que no tempo do Presidente Jorge Sampaio quando começou a ser mais visível o domínio do capital estrangeiro ainda assistimos a um cortejo de grandes empresários para pedir ao Presidente a sua intervenção. Foi sobretudo uma diligência para que as privatizações em curso ficassem nas suas mãos e não para a conservação dos “centros de decisão”, pois como se viu, pouco tempo após o encontro com o Presidente da República, alguns dos que fizeram parte da comitiva foram os primeiros a vender ao estrangeiro as empresas  récem-privatizadas.

É por isso, que há quem diga que a questão dos centros de decisão nacionais é uma treta, como afirmou por exemplo, Silva Lopes – pois tal conceito só serviu para que alguns acumulassem uns bons milhões. Isto é certo porque não há de facto nenhuma garantia da conservação dos centros de decisão em mãos nacionais, quando estes são privados. Para o privado não conta o interesse nacional o que conta é o seu interesse ou o do seu grupo, e na maioria das vezes o que conta é o seu interesse de curto prazo.

A conservação de empresas básicas e estratégicas em mãos nacionais é da máxima importância e ainda de maior importância num espaço aberto como a União Europeia, mas a garantia da sua manutenção na esfera nacional só está assegurada se for propriedade social. Esta é a razão porque na Banca, nos petróleos e em tantos outros sectores o capital estrangeiro tem uma posição cada vez mais dominante. Isto tem consequência.

É por estarmos hoje mais dependentes e com uma actividade produtiva nacional muito mais enfraquecida que o governador do Banco de Portugal só vê a recuperação da crise no nosso país após a recuperação dos outros. Para ele qualquer dinamização do mercado interno está excluída pela repercussão no défice externo e na dívida externa.
É a visão e o resultado de quem apostou e continua a apostar num modelo de baixos salários, do tudo à exportação e de submissão ao capital estrangeiro.

Mas mesmo neste “modelo” o que se verifica é que as medidas dirigidas à exportação esbarram com as dificuldades que encontram na Banca, quer ao nível dos elevados spreads quer em relação às dificuldades de acesso ao crédito e aos seguros de crédito. Nesta gravíssima crise era mais do que nunca necessário que a Banca estivesse ao serviço da economia nacional, o que não é o caso. Os interesses particulares dos banqueiros e respectivos grupos económicos sobrepõem-se ao interesse nacional. É assim nas exportações, como em relação às micro, pequenas e médias empresas, nos apoio à agricultura e às pescas e mesmo em relação aos Fundos Europeus e ao denominado QREN. Mas é também assim em relação a particulares. Por alguma razão o Banco de Portugal recebeu mais de 14 mil reclamações de clientes em 2008. As queixas de associações industriais também têm sido várias. E no caso da banca comercial a fuga aos impostos, as trafulhices com os off-shores, o encarecimento e a multiplicação das comissões bancárias, os aumentos dos spreads e as dificuldades de acesso ao crédito colocam na ordem do dia a sua efectiva nacionalização. Mesmo um governo “reformista” deveria dar o passo de ficar com uma posição maioritária no BCP, reforçando o sector público bancário e a capacidade de intervenção na economia. É necessário pôr um ponto final à oligarquia bancária e à financeirização da nossa economia. O crédito e a moeda são bens públicos, como o ar e a água, devem estar ao serviço do desenvolvimento, ao serviço das empresas, ao serviço do povo e, não é isso que acontece. Como detentores de bens públicos e devendo contribuir para o bem comum, a Banca comercial, tal como outros sectores básicos e estratégicos devem ser públicos. É por isso, pelo menos estranho que haja por aí quem tenha tido nas ruas cartazes reivindicando apenas à nacionalização da energia com o slogan «a todos o que é de todos» esquecendo a Banca e outros sectores estratégicos...

No caso da banca é ainda de chamar a atenção que todos os grupos financeiros têm constituído fundos de pensões próprios através dos quais deverão assegurar o pagamento das pensões aos  trabalhadores e estes fundos de pensões têm tido fortes desvalorizações, o que põe em perigo a reforma de milhares de trabalhadores e são uma ameaça futura para a segurança social pública.

Nesta questão o regulador tem também pesadas responsabilidades pelas prestações bancárias devidas pela Banca e pela evolução destes Fundos.

Nesta crise tem ficado também evidente o papel fundamental do Estado através do Banco Público, designadamente no sector financeiro. O papel instrumental da Caixa Geral de Depósitos, independente do acerto das intervenções tem sido decisiva em grandes empresas e grupos financeiros.

Naturalmente com um outro governo e outra política o seu papel seria precioso no combate à crise no interesse do povo e do país.

Um forte e dinâmico sector empresarial do Estado gerido de forma eficiente e ao serviço da economia nacional teria um papel central no combate à crise, quer no apoio às micro, pequenas e médias empresas, quer no acesso ao crédito e ao financiamento de actividades criadoras de emprego, quer na substituição de importações, quer nas receitas do Estado e no combate ao défice, quer ainda numa justa distribuição do Rendimento Nacional.

Não é com a nacionalização dos prejuízos, nem colocando os dinheiros públicos ao serviço de meia dúzia de famílias, nem com operações ruinosas – BPN e BPP – nem com meias medidas ou falsos indícios de recuperação que se dá resposta à crise. A crise vai ser prolongada e podemos vir a ter ainda mais amargos de boca. Não vale a pena ignorar a questão do financiamento da nossa economia, o gravíssimo endividamento externo, nem as dificuldades com que se debatem as micro pequenas e médias empresas que têm engrossado a corrente de falências.

No primeiro trimestre deste ano em relação a igual período do ano passado o início de acções de insolvência aumentou 79,6% e o número de empresas declaradas insolventes aumentou 31%.

A crescente intervenção do Estado e a importância de um forte sector público empresarial vai ainda tornar-se mais evidente no futuro próximo porque a crise internacional e nacional vai ser longa e profunda e não é com “falsos sinais” de recuperação que a recuperação se verifica ou que a confiança se reganha. As tentativas para relançar o “optimismo” já foram várias(3) com grandes operações de marketing quer nos EUA quer na Europa (“A banca norte-americana começa a dar sinais de que o pior da crise financeira já terá passado”; “Está na altura de comprar acções”; “Os prejuízos são menores que o esperado”, etc., etc.), mas a verdade é que o fosso entre a sobre acumulação e sobreprodução em relação ao poder aquisitivo das massas é ainda muito grande e o chamado lixo tóxico é ainda gigantesco como as últimas estimativas do FMI evidenciaram (4).Depois o crédito como compensação à perda de poder de compra tem limites como esta crise o tem demonstrado...e a questão da melhoria da distribuição do Rendimento Nacional continua a ser tabu. A situação na banca internacional está longe de estar saneada e continua-se a injectar dinheiros públicos cuja factura será paga pelos contribuintes(5)

“As ideias dominantes são as da classe dominante”. Por isso, não é de espantar que os responsáveis por esta crise, os mesmos que agora apresentam “soluções” – pirómanos a fazer de bombeiros – continuem a defender as mesmas medidas e teorias. A necessidade obrigou-os a defender a intervenção do Estado, a pôr de lado a absolutização do défice e as charlatanices neoliberais. Mas só esperam que o momento seja mais favorável para voltarem a elevar à categoria de ciência económica os velhos dogmas. E também não é de espantar que os teóricos dessas velharias na sua postura professoral nem sequer queiram ouvir as nossas propostas ou as sentenciem de irrealistas. Sobre esta questão termino citando a actualidade das palavras de Lenine no “O empirocriticismo e o materialismo histórico”:... “não se pode acreditar numa só palavra de nenhum professor de economia política, capaz de realizar os trabalhos  mais valiosos no domínio das investigações factuais especializadas, quando se trata da teoria geral da economia política. Porque esta última é na sociedade contemporânea uma ciência tão partidarista como a gnosoliologia. Em geral, os professores de economia não são senão caixeiros instruídos da classe dos capitalistas”. E nós acrescentamos que os caixeiros, como é evidente, são pagos para isso mesmo(6)! A resposta à crise terá que ser a luta de massas: “não pagaremos a vossa crise!”

Notas:
  • Na grande depressão de 1929/30 Roosevelt aprovou a Wagner Act com os sindicatos pois considerou que o aumento dos salários da Administração Pública era uma das medidas mais potentes para estimular a economia.
  • Defendi na altura um processo “mãos limpas” sobre as privatizações. Algumas foram um roubo descarado do património público com os respectivos donos a recuperarem o dinheiro investido em pouco tempo e a Caixa a fazer empréstimos mirabolantes aos respectivos compradores. O Sr. Fino tem muitos antecedentes!
  • Laurence Summers, um dos principais conselheiros de Obama tem alimentado as declarações optimistas na CNBS e Bem Bernanke ainda recentemente numa destas campanhas dizia aos estudantes de Atlanta ter já sinais de que a queda da economia americana estava a abrandar. No nosso país não faltaram os comentadores a tentar relançar a confiança e os banqueiros (Ricardo Salgado, Ulrich) têm-se multiplicado em entrevistas sobre a bondade e a saúde da Banca.
  • No dia 18 de Março a crise entrou numa fase nova com a decisão da FED em comprar 300 milhares de milhão de dólares em Títulos do Tesouro e 500 em créditos assentes sobre créditos imobiliários com grande probabilidade insolváveis. Esta operação da FED pôs ainda mais em causa o sistema monetário internacional dada a dívida externa dos EUA, a sua situação de insolvência potencial e o estatuto de moeda de reserva do dólar. Para relançar a roleta do casino bolsista e relançar a confiança, os EUA alteraram também as regras contabilísticas do sistema financeiro. O “lixo tóxico” deixou de ser valorizado pelos valores do mercado (fantástico!)  e passou a ser valorizado pelo valor atribuído pelas empresas. Há quem estime um aumento de 20% nos lucros fictícios da banca americana com esta operação.
  • Recentes estatísticas mostram que os maiores 19 bancos americanos continuam com grande dificuldade de solvabilidade e a Goldman Sachs, em 25 de Março deste ano avaliava as perdas dos bancos da zona euro em 922 mil milhões de euros dos quais só cerca de um terço tinham sido reconhecidas, o que significa que os bancos da zona euro ainda têm mais 580 mil milhões de euros de perdas a declarar... Também o FMI (22 de Abril) afirma que os bancos mundiais deverão necessitar de fazer aumentos de capital no valor global de 875 mil milhões de dólares e estima em 4,1 biliões de dólares, o montante dos prejuízos dos denominados activos tóxicos desde o início da crise até 2010!
  • No ensino da economia política, uma doutrina, por melhor que seja, não é admitida se ela não defender os interesses de um partido poderoso e por tanto tempo quanto esse partido reste poderoso; se um outro partido se torna mais influente, as doutrinas mais erradas serão reabilitadas se elas servirem estes novos interesses”. Estas palavras escritas há um século foram de um professor chamado Brentano, autor da obra  “O chefe de empresa” e citado no blog de Paul Jorion.
Deputados Eleitos - Eleições Legislativas 2009
Mais vídeos
Sobre os resultados das eleições autárquicas 2009
denuncia_responde_modulo1.jpg

Sabia que - ver mais
apoiantes_modulo.jpg

Não há novos eventos
LigaçõesPartido Comunista PortuguêsPartido Ecologista - Os Verdes
LegislativasNotícias e Intervenções4 anos de políticas de direita4 anos de lutaCandidatosVídeos Proposta