Pela Cultura, Liberdade, Transformação e Emancipação

André Levy
 

André Levy

Em Julho passado, o PCP apresentou publicamente o “Manifesto pela Cultura, Liberdade, Transformação, e Emancipação”, estando desde então a recolher assinaturas através de contactos pessoais e através da internet. Como o título expressa, a Cultura é encarada pelo PCP e as forças que integram a CDU como uma componente fundamental e indissociável de uma democracia efectiva, juntamente com os componentes da democracia económica, política e social. E também na área de cultura é necessário uma ruptura com as sucessivas políticas de asfixia do financiamento público, de desresponsabilização do Estado pela promoção da criação e fruição cultural e pela preservação do nosso património, e um sistema que favorece a mercantilização da cultura, a concentração dos meios de produção e distribuição, e uma crescente precariedade dos trabalhadores na área da cultura e património.

A meta apontada pela UNESCO de orçamentar 1% do PIB para a área da cultura é há muito reconhecida, inclusive por personalidades responsáveis no PS. Na anterior campanha para a Assembleia da República, o PS assumiu, no seu Programa Eleitoral, o compromisso de inverter a “asfixia financeira” a que o governo do PSD/CDS-PP tinha condenado o sector. Mas no seu Programa Eleitoral e depois no Programa do Governo apontam para uma meta de 1% do Orçamento de Estado, a alcançar “a médio prazo”. Entenda-se que 1% do PIB é bastante inferior a 1% do OE. Mas nem este compromisso o governo PS/Sócrates logrou manter, vindo, pelo contrário, agravar a asfixia financeira. O orçamento do Ministério da Cultura para 2006 baixou praticamente para o nível do de 2003 (corrigida a inflação e foi ainda inferior aos de 2004 e 2005. O orçamento para 2007 previa uma despesa não apenas inferior ao de 2006, mas até ao orçamentado para 2003. O novo ministro da Cultura, José Pinto Ribeiro, assumiu orgulhosamente esta redução, afirmando ser seu objectivo "fazer mais e melhor, com menos meios" na área da cultura. Resta saber com que pessoas fará esta cultura, que condições laborais terão, e para que público será essa cultura apresentada. Na sua patética tentativa de fazer uma mea culpa e apaziguar o seu eleitorado de esquerda, Sócrates admitiu que num novo governo teria de reforçar o investimento cultural. De facto o actual Programa Eleitoral declara o compromisso de “reforçar o orçamento da cultura durante a legislatura, de modo a criar as condições financeiras para o pleno desenvolvimento das políticas públicas para o sector”, sendo notório, pela sua ausência, qualquer meta orçamental.

A política orçamental para a cultura tem pecado não só pela sua redução como pela sua distribuição. O orçamento é orientado para um número reduzido de equipamentos (deixando outros sem programação) e a proporção da despesa das Autarquias na área da cultura face à Administração Central tem aumentando, acentuando as assimetrias regionais e a elitização do acesso. Os concursos públicos a financiamentos não permitem a sustentabilidade de criadores culturais, empurrando-os para condições de grande instabilidade profissional. A retórica dos “subsídio-dependentes” obscurece que o financiamento público para a produção cultural é forma do estado financiar o acesso do público à cultura. Quem argumenta que o público só quer telenovelas e futebol ignora que os gostos e praticas de fruição cultural também são cultivados e encorajados. Hoje há a ilusão de acesso à cultura, mas a oferta de massas é na sua maioria comida insonsa, papa sem fibra, côdea rija e água morna, que podendo ser servida em copo de alta definição e prato com som estereofónico, não alimenta aquela parte do ser humano, social, que anseia por ser estimulado e por criar, não tem ligação com a nossa identidade histórica, e nada acrescenta aos caminhos de desenvolvimento e afirmação cultural.