André Levy

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As conclusões do Comité Central do PCP (do dia 29 de Setembro) apontam correctamente como grande avanço das últimas eleições legislativas a perda de uma maioria absoluta por parte de qualquer um dos partidos que segue a política de direita. Este facto por si só constituiu um motivo de satisfação e uma indicação que o contexto política será necessariamente diferente. Não haverá mais a tão proclamada estabilidade, que se traduz na prática numa postura de arrogância e autismo. O governo, qualquer que venha a ser, será compelido a ouvir, dialogar, ceder, mudar de posição em função da vontade popular, a ter que persuadir pela razão, em vez de fazer o que quer porque pode.
As mesmas conclusões apontam para a descida significativa do eleitorado do PS, o falhanço do PSD e as causas da subida significativa do CDS-PP e do BE. Conclui também que a CDU teve uma subida importante no número de votos e ganhou um deputado. Tendo em conta as condições em que a campanha foi travada, o crescimento seguro e constante da CDU é um factor de confiança.

À primeira vista, os resultados não indiciam um grande ruptura com a política de direita, algo que CDU defendeu e defende como necessário para o país, e que teve expressão em centenas de milhares de vozes durante as lutas travadas durante a última legislatura. Afinal, é com CDS-PP que o PS poderá atingir uma maioria relativa. Mas note-se que o somatório das três forças que representam a política de direita – a saber, o CDS-PP, PSD e PS – perderam (relativamente a 2005) mais de 350 mil votos e 13 deputados. Por contraste, se somarmos a votação da CDU e do BE, registou-se uma subida de mais de 220 mil votos e nove deputados. Isto é, apesar dos fluxos entre partidos, as forças da política de direita tiveram uma descida eleitoral. Admito que esta deslocação de votos não seja muito marcante ou equivalente à necessária para uma efectiva ruptura com a política de direita. Mas é um sinal. Temos agora pela frente as várias batalhas autárquicas, onde seguramente a CDU dará mais um passo no seu reforço eleitoral. Mas tenhamos sempre presente que a verdadeira ruptura com a política de direita dependerá dos momentos que seguirão depois das eleições, da continuação da luta, da defesa dos direitos dos trabalhadores, dos serviços públicos, do ambiente e cultura, da democracia e solidariedade internacional. O reforço eleitoral será um contributo para essa luta. Mas a efectiva ruptura com a política de direita passará pelo reforço orgânico do PCP e do espaço unitário que é a CDU. Passa pela sua influência sem paralelo entre os trabalhadores e populações, que precisa de ser aprofundado e alargado. Há que não esquecer essa luta, mesmo durante a campanha autárquica onde os objectivos são mais imediatos. Pois a luta continuará, com o PCP, com a CDU e os seus apoiantes solidamente sempre a crescer.

Em Julho passado, o PCP apresentou publicamente o “Manifesto pela Cultura, Liberdade, Transformação, e Emancipação”, estando desde então a recolher assinaturas através de contactos pessoais e através da internet. Como o título expressa, a Cultura é encarada pelo PCP e as forças que integram a CDU como uma componente fundamental e indissociável de uma democracia efectiva, juntamente com os componentes da democracia económica, política e social. E também na área de cultura é necessário uma ruptura com as sucessivas políticas de asfixia do financiamento público, de desresponsabilização do Estado pela promoção da criação e fruição cultural e pela preservação do nosso património, e um sistema que favorece a mercantilização da cultura, a concentração dos meios de produção e distribuição, e uma crescente precariedade dos trabalhadores na área da cultura e património.

A meta apontada pela UNESCO de orçamentar 1% do PIB para a área da cultura é há muito reconhecida, inclusive por personalidades responsáveis no PS. Na anterior campanha para a Assembleia da República, o PS assumiu, no seu Programa Eleitoral, o compromisso de inverter a “asfixia financeira” a que o governo do PSD/CDS-PP tinha condenado o sector. Mas no seu Programa Eleitoral e depois no Programa do Governo apontam para uma meta de 1% do Orçamento de Estado, a alcançar “a médio prazo”. Entenda-se que 1% do PIB é bastante inferior a 1% do OE. Mas nem este compromisso o governo PS/Sócrates logrou manter, vindo, pelo contrário, agravar a asfixia financeira. O orçamento do Ministério da Cultura para 2006 baixou praticamente para o nível do de 2003 (corrigida a inflação e foi ainda inferior aos de 2004 e 2005. O orçamento para 2007 previa uma despesa não apenas inferior ao de 2006, mas até ao orçamentado para 2003. O novo ministro da Cultura, José Pinto Ribeiro, assumiu orgulhosamente esta redução, afirmando ser seu objectivo "fazer mais e melhor, com menos meios" na área da cultura. Resta saber com que pessoas fará esta cultura, que condições laborais terão, e para que público será essa cultura apresentada. Na sua patética tentativa de fazer uma mea culpa e apaziguar o seu eleitorado de esquerda, Sócrates admitiu que num novo governo teria de reforçar o investimento cultural. De facto o actual Programa Eleitoral declara o compromisso de “reforçar o orçamento da cultura durante a legislatura, de modo a criar as condições financeiras para o pleno desenvolvimento das políticas públicas para o sector”, sendo notório, pela sua ausência, qualquer meta orçamental.

A política orçamental para a cultura tem pecado não só pela sua redução como pela sua distribuição. O orçamento é orientado para um número reduzido de equipamentos (deixando outros sem programação) e a proporção da despesa das Autarquias na área da cultura face à Administração Central tem aumentando, acentuando as assimetrias regionais e a elitização do acesso. Os concursos públicos a financiamentos não permitem a sustentabilidade de criadores culturais, empurrando-os para condições de grande instabilidade profissional. A retórica dos “subsídio-dependentes” obscurece que o financiamento público para a produção cultural é forma do estado financiar o acesso do público à cultura. Quem argumenta que o público só quer telenovelas e futebol ignora que os gostos e praticas de fruição cultural também são cultivados e encorajados. Hoje há a ilusão de acesso à cultura, mas a oferta de massas é na sua maioria comida insonsa, papa sem fibra, côdea rija e água morna, que podendo ser servida em copo de alta definição e prato com som estereofónico, não alimenta aquela parte do ser humano, social, que anseia por ser estimulado e por criar, não tem ligação com a nossa identidade histórica, e nada acrescenta aos caminhos de desenvolvimento e afirmação cultural.

André Levy

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À medida que nos aproximamos das eleições, ouvimos muito retórica dos partidos que representam os interesses do Capital (PS, PSD, e CDS-PP) que ouvem os portugueses, que estão ao lado dos portugueses, que representam os seus interesses, até slogans vácuos que os portugueses pensam cada vez mais como eles. Pretendem constituir a modernidade, a responsabilidade, a estabilidade. O PSD apresentou um programa mínimo assente nos pilares demonstradamente caducos e destabilizadores do neoliberalismo. O PS e Sócrates mentem, dizendo que abandonaram o neo-liberalismo a favor de uma esquerda democrática, quando a sua prática do governo e a sua re-afirmada submissão ao actual caminho da União Europeia reforça que continuam a pretender aprofundar uma política de direita caso regressem ao governo.

O apelo de “levar a luta até ao voto” parecendo um slogan simples, incorpora uma linha de pensamento e exige uma reflexão. Pede aos portugueses que durante os últimos anos lutaram e resistiram contra a política de direita, e foram centenas de milhar, que não se deixem enganar por estes partidos, e votem em coerência com as suas lutas, optando pelo partido que mais consistentemente tem estado ao seu lado na luta: o PCP e a CDU. Tal não significa que o PCP tenha deixado de ter como prioridade de acção a mobilização e organização dos trabalhadores, seguindo uma linha meramente eleitoralista e orientada para as instituições democráticas burguesas. A luta de massas continua a ser a prioridade. Mas chegados os próximos momentos eleitorais, há que aproveitá-los para reforçar as vozes na Assembleia da República e Poder Local que ouvem os trabalhadores e os portugueses, que os procuram nos seus locais de trabalho, que procuram levar a sua voz até às instâncias do poder, e que constroem propostas que vão ao encontro da satisfação dos seus maiores anseios e aspirações, que trabalham para preservar a nossa democracia (nas suas várias vertentes) e a economia e soberania nacionais. As próximas eleições para a AR serão particularmente importantes poderá ter lugar uma revisão constitucional, pelo que está em causa também (mais uma vez) a defesa da Constituição de Abril.

Os últimos anos têm sido marcados por inúmeras e diversas lutas dos trabalhadores, e por um agravar da exploração dos trabalhadores por parte do Capital. O Governo PS/Sócrates demonstrou, repetidamente, de que lado está na barricada. Está de lado dos grandes interesses económicos e na defesa dos seus lucros, estando disposto a garantí-los com o sacrifício de direitos, salários e sobrevivência dos trabalhadores. Apesar de toda a sua retórica sobre o défice, está disposto a defender esses interesses mesmo que isso implique grandes dádivas ao Capital, sem que tal implique quaisquer garantias de manutenção, em Portugal, de postos de trabalho ou empresas que contribuam para a produção nacional.

Desde 2006, que procuro compilar todos os anos, usando como fonte o sítio da CGTP-IN e o jornal Avante! – o único jornal que ainda preserva uma secção dedicada aos trabalhadores – as lutas travadas pelos trabalhadores. Quem está efectivamente atento a esta realidade nacional (vendo para além das notícias do Cristiano Ronaldo, Maddy, ou Gripe A) vê uma intensificação da luta de classes. As greves, manifestações, concentrações, vigílias, cordões humanos e outras acções dos trabalhadores. Umas reunindo dezenas de milhares de trabalhadores vindos de vários sectores. Outras mais pequenas em número, mas sem serem por isso menos significativas pois são prova da união e luta da maioria de trabalhadores de um sector ou empresa. O número destas iniciativas tem vindo a aumentar, abrangendo os sectores da Administração Pública e professores, os trabalhadores dos transportes e do sector têxtil, os corticeiros, os polícias e militares, os pescadores, os operários do sector automóvel, da Bordalo Pinheiro, da Quimonda, os enfermeiros, da Autoeuropa, das OGMA, do Arsenal do Alfeite, etc. Lutas em defesa da contratação colectiva, por melhores salários, ou simplesmente pela permanência em Portugal da sua empresa. É notável que não são os investidores, que tendo recebido benesses do Estado, asseguram a produção nacional. Estes usam todos os argumentos para levar o Capital para outros países ou investí-los na banca, mesmo quando os seus sectores têm encomendas garantidas. São os trabalhadores que, em vigília, evitam que as administrações removam a maquinaria do local e com a sua força e união garantem os seus posto de trabalho e a produção nacional, enfrentando muitas vezes a força policial. A posição Governo Sócrates/PS neste conflito é clara: apoiar o aumento da exploração dos trabalhadores; dar subsídios públicos ao capital sem garantias de manutenção do número e cariz dos postos de trabalho e da produção nacional; proteger as administrações que desmantelam empresas, mesmo quando viáveis; processar judicialmente os que protestam as políticas do governo enquanto permanecem imunes os autores de escândalos financeiros e os que atentam contra os direitos dos trabalhadores.

Os trabalhadores encontram na sua luta o PCP ao seu lado. O PCP e a CDU estarão sempre ao seu lado, quer na rua e nos locais de trabalho, quer na AR e Autarquias. Mas há que reforçar a sua posição e capacidade de intervenção nesses palcos de luta. Por isso se apela a que se leve a luta de classes até ao voto, para continuar a luta.

André Levy

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Após insistentes e repetidas perguntas, o PCP não deixou espaço para dúvida que não há condições para uma coligação com o PS para formar de governo, caso este venha a ganhar uma maioria relativa para a Assembleia de República. Mas eis que primeiro Ferro Rodrigues, no Expresso (15/Ag), ex-líder do PS, e depois Pedro Pedroso vêm a publico defender que em tal caso o PS deve procurar coligar-se. Já Sócrates havia tornado claro, na forma como caracteriza os partidos à esquerda do PS, que tal não seria realizável. Para para Ferro Rodrigues e Pedroso defendem que só com uma coligação podemos ter um governo forte (em torno de quê, podemos perguntar). Pedroso vai mais longe e concluiu mesmo que em matérias de “política interna não há nada de incompatível entre o PCP e o BE e o que o PS defende, tirando a retórica e as prioridades de agenda.” Em que planeta vive Pedroso?! Não há nada de incompatível entre a defesa dos direitos dos trabalhadores e as reformas introduzidas pelo PS, incluindo o novo código de trabalho? Não se trata de uma mera questão de prioridades de agenda. A mesmo que queira com isto dizer que o PS entende como prioritário corrigir o défice diminuindo a despesa em serviços públicos, e desde logo a sua cobertura e qualidade, enquanto o PCP entende que estes serviços devem ser reforçados, não defendo o governo ter a obsessão do défice, procurando ir corrigindo-o através de uma política fiscal que incida sobre os mais ricos e sobre os lucros do capital, não do trabalho. Estas questões para o PCP não são mera retórica, são questões de princípio, fundamentais para um partido de classe. Para o PS a retórica é como o vento, as prioridades de agenda como as ondas do mar, mas é bem claro qual a classe cujo interesses defende. E sobre isso há um incompatibilidade de fundo entre o PS e o PCP que impede qualquer tipo de reconciliamento no exercício do poder executivo. Curiosamente, tanto Ferro Rodrigues como Pedroso admitem que caso não seja possível coligação com o PCP ou BE, que então se deve recompor a coligação do Bloco Central com o PSD. Isto é, mais importante que as ideias, os programas, as tais “prioridades de agenda”, está a “governabilidade”, não importante o parceiro. Ora mais facilmente se encontrarão traços comuns entre o programa do PS e PSD, “tirando a retórica e as prioridades de agenda”, pois ambos partidos defendem os interesses da mesma classe social, seguem a mesma escola ideológica, e obedecem aos mesmo ditames europeus e internacionais. Aqueles que têm defendido uma coligação da “esquerda” para a Câmara Municipal de Lisboa, poder-se-ão perguntar, mas que PS é tanto daria para formar coligações com os partidos de esquerda como com os outros partidos de direita?

Vital Moreira, no Público (18/Ag), veio contrariar as soluções de coligação. Por um lado, por ainda guarda esperança que o PS ganhe uma maioria absoluta, pois este foi um “bom governo” que “merece ser reconduzido”, “premiado politicamente”. O único prémio que merece a meu ver é um grande bota-fora. Depois, porque admitir coligações à esquerda durante a campanha afastará o eleitorado do PS de centro-esquerda, e admitir novo Bloco Central afasta o eleitorado de esquerda do PS. (Como é que alguém que se identifique como sendo de esquerda ainda pode considerar votar neste PS de Sócrates?) Para Moreira, mais vale o PS formar governo em minoria, e forçar novas eleições caso não tenha condições de cumprir o seu programa eleitoral. O mais curioso é que defende que a dificuldade de formação de governos de coligação em Portugal se deve ao carácter “visceralmente anti-PS” do PCP. A culpa é dos partido de esquerda, não do partido de fachada de esquerda e cumpre o programa neoliberal à letra. É certo que noutros países da Europa coligações entre estas famílias políticas foram possíveis, mas tal sucedeu a custo de cedências ideológicas dos partidos de esquerda, levando ao seu enfraquecimento e até desaparecimento da cena política. Veja-se o que sucedeu em França ou Itália. A dificuldade de formação de alianças do PS com as forças à esquerda reside no facto do PS não ser uma força de esquerda, e de não pretender partilhar o poder, construir uma coligação comum e unitária, mas impor e exercer o seu próprio programa, com a meretriz que seja, ou se necessário sozinho.

André Levy

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José Sócrates, Primeiro-ministro e Secretário-geral do Partido Socialista, publicou no dia 11 de Agosto um artigo de opinião no Jornal de Notícias, intitulado “Uma escolha decisiva”. Não é preciso ler o artigo para adivinhar que a conclusão a que chega é que a única escolha dos eleitores é re-eleger o PS e o subscritor.
Cabe antes de mais re-lembrar, até porque o discurso do Bloco Central e da comunicação social parecem ignorar este elemento fundamental, que as eleições legislativas do dia 27 de Setembro são para a composição dos 230 deputados da Assembleia da República (AR). Não são eleições directas para o Governo, e muito menos para o Primeiro-ministro (como a página Sócrates2009 parece querer implicar). Assim, os eleitores não devem condicionar o seu voto pensando apenas em quem vai formar governo, mas tendo em conta o espectro partidário do boletim de voto e reflectir que voz querem representada na AR. Se estão insatisfeitos com a política de direita conduzida pelos sucessivos governos do PS e PSD (com ou sem o CDS-PP) – não apenas nos últimos 18 anos, mas nos últimos 32 anos, têm o direito de votar noutras forças que na AR façam oposição a essa política. Aliás o único voto consciente e coerente é um voto por uma verdadeira ruptura com a política de direita que têm sistematicamente atacado os direitos dos trabalhadores e reduzido o papel fundamental do Estado em garantir serviços constitucionalmente consagrados. E a CDU é a força que corresponde a levar a luta dos trabalhadores até à urna.
Sócrates assume-se como de esquerda, como se a aplicação das directrizes neoliberais vindas da Europa, ou espelhadas no Tratado de Lisboa do qual ele tanto se orgulha, não desmontem esse seu posicionamento. Fala agora em investimento público para dinamizar a economia, após uma governação caracterizada pela obsessão pelo deficit, a redução de custos públicos (chumbando simultaneamente os limites ao paraíso fiscal da Madeira ou a lei, do seu camarada João Cravinho, de combate à corrupção), o desmantelamento de escolas e serviços de saúde, e um ataque aos direitos laborais que vai mais longe que o proposto pelo último governo do PSD.. Afirma-se como uma alternativa, como se não se tratasse antes de continuidade.
As forças à sua esquerda, descreve como “esquerda radical” que ”se limita a protestar, dispensando-se da maçada de contribuir para a solução de qualquer problema”. Isto é descarta todo o trabalho da AR dos grupos parlamentares à sua esquerda, em particular das forças que integram a CDU, que durante mais uma legislatura demonstraram uma capacidade de apresentação de projectos de lei, propostas de alteração, requerimentos, interpelações etc. que em muito ultrapassa as outras forças na AR. Que a maioria parlamentar se limite a chumbar automaticamente essas propostas construtivas, não lhe permite caracterizar a oposição como apenas protestando. Protesta claro. É seu direito, por mais desconfortável que o Governo se sinta quando os trabalhadores saem à rua. Mas apresenta propostas alternativas. Caso exemplar: se 2/3 dos professores protestam contra as políticas do Ministério da Educação, apresentando os sindicatos propostas alternativas e estando estes dispostos a negociar, são os professores e sindicatos que “não entendem”, que só protestam, são forças corporativas conservadoras.
Ao reduzir a escolha apenas ao PS e PSD, e depois caracterizando-se como a “esquerda responsável”, a única capaz de governar, indica entre-linhas que uma maioria absoluta é necessária para governar. Insulta, assim, os eleitores que vão às urnas para eleger a AR e não o governo. O que Portugal precisa é que nenhum dos partidos da alternância volta à prepotência que uma maioria absoluta lhes oferece, e que as forças consequentes à sua esquerda, em particular a que maior ligação tem aos verdadeiros anseios e aspirações dos trabalhadores, a CDU, possa reforçar a sua presença e capacidade de trabalho na AR. E sob uma maioria relativa, com forças de oposição consequentes que apresentem soluções alternativas, verdadeiramente de esquerda, talvez sejam forçados a dialogar com outras forças políticas e com os parceiros sociais, não apenas como gesto demagógico, mas efectivamente tendo em conta as suas propostas, pois elas existem. É preciso é que as oiça.

P.S. O jornal "Público" destaca na sua primeira página o «Não» do PCP quanto a coligações governativas com o PS de Sócrates. Como se esta questão não fosse já clara, e não houvesse conteúdo (as tais propostas) na apresentação do Programa Eleitoral do PCP. O acima referido artigo do Sócrates dá também uma resposta clara quanto ao seu interesse em fazer coligações com o PCP, embora esta não seja uma questão que lhe seja colocada. A questão de coligação é pergunta quase obrigatória de se colocar ao PCP, mas jamais ao PS. Não fosse o desdém com que Sócrates e o PS tratam o deputados do PCP na AR (até corninhos fazem) suficiente para tornar a resposta clara, o artigo do Sócrates descarta de todo a possibilidade de qualquer coligação com a "esquerda radical". Se Sócrates afirma não estar interessado em formar coligações à esquerda, qual o interesse em perguntar ao PCP? Lá está a velha concepção de coligação: a força maior mantem os seus objectivos, são os partidos com menor percentagem de votos que têm de se acomodar a esses objectivos para entrarem em coligações. Mas no PCP, desde sempre, só encontram verticalidade e coerência de princípios.

Quantas vezes os militantes e apoiantes do PCP e da CDU não ouvem: "eu até concordo com vocês, e admiro o vosso trabalho, mas vocês não vão lá ...". Não vão lá? Lá, aonde? Este tipo de discurso revela desde logo um incompreensão do teor das eleições legislativas que se aproximam. Revela aquilo que os partidos do Bloco Central, com a cumplicidade da comunicação social, tendem a promover: que as eleições para a composição dos 230 membros da Assembleia da República (AR) são na verdade eleições para o governo, ou mesmo eleições para Primeiro-ministro.

A esta descaracterização das eleições legislativas acresce a pressão, de novo do Bloco Central e seus porta vozes, de que o país precisa de estabilidade e governabilidade. Atrevo-me a dizer que o país precisa precisamente que não haja uma nova maioria absoluta. A história recente da nossa democracia vem demonstrando que os governos sustentados por uma maioria absoluta da AR tendem a diminuir o papel deste órgão, que pelo pluralismo de forças ali pressentes mais estreitamente representa, a nível nacional, as vontades e aspirações dos eleitores. O órgão capaz de fiscalizar e confrontar o governo, através das suas Comissões, dos requerimentos e perguntas.

O partido da maioria na AR assume uma atitude de enorme arrogância, chumbando a maior parte dos projectos de lei das restantes forças parlamentares, por mais mérito que tenham. Excepção a esta regra são as leis mais lesivas para o país, que unindo os grupos representantes da política de direita, aprovam leis que reduzem o papel dos serviços públicos, protegem os interesses do capital e atacam os trabalhadores. O executivo assume a mesma arrogância, reduzindo o diálogo com os parceiros sociais, ou limitando-o a mera fachada, e avança com as suas políticas mostrando desdém pelas forças sociais que resistem aos ataques aos seus direitos. O governo caracteriza estas forças como de atraso, que defendem interesses corporativas, como se o governo não estivesse a defender os interesses do grande capital nacional e internacional, e dando razão ao cartaz sindical que afirma "Maiorias absolutas, destroem direitos". Se a estabilidade fosse um bem absoluto, quase que somos levados a concluir que os 48 anos do período fascista foram os anos de melhor governabilidade.

A verdade é que o país desta fase precisa que nenhum partido, em particular do PS ou PSD, atinjam uma maioria absoluta. Precisa, sim, de um reforço das forças de esquerda, e em particular um reforço da CDU. Voltando ao cliché enunciado no início, a CDU chega lá, à AR. E aí destaca-se como força determinada e coerente. Os grupos parlamentares do PCP e do PEV destacam-se pela qualidade e quantidade de trabalho parlamentar, através da apresentação de propostas alternativas. Que estas não recebam o destaque público devido, leva muitos eleitores a acusar estas forças como meras forças de oposição e crítica, que não apresentam alternativas, quando tal não poderia estar mais longe da verdade. Os deputados do PCP destacam-se também por não serem beneficiados nem prejudicados pelo seu trabalho parlamentar, sendo imunes às acusações genéricas que os deputados só procuram o tacho.

A próxima AR precisa de reforçar as vozes empenhadas não apenas numa alternância, na mudança de fachada, mas numa verdadeira ruptura com a política de direita, com força para fiscalizar e confrontar o governo. Este reforço é tão mais importante na medida em que a próxima sessão legislativa irá considerar a revisão da Constituição da República Portuguesa, cuja alteração necessita de uma maioria de dois terços.

André Levy

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“Claro que um povo não deseja a guerra. Mas no fim de contas, são os líderes de um país que determinam a política, e é sempre uma questão simples de arrastar o povo, quer se trate de uma ditadura fascista, um parlamento ou uma ditadura comunista. Tenha ou não uma voz, um povo pode sempre ser levado a seguir os seus líderes. Isso é fácil. Tudo o que há que fazer é dizer que estão a ser atacados, e denunciar os pacifistas por falta de patriotismo, e expor o país a um grande perigo.” Estas palavras do Nazi Herman Goering, proferidas em privado, enquanto decorriam os Julgamentos de Nuremberga, ressoavam na minha mente quando vivi nos EUA, presidido por George W. Bush, após o 11 de Setembro, pois Bush seguiu as palavras de Goering à letra.

Mas a cultura do medo não é usada apenas para conduzir um país à guerra. Pode ser um instrumento de propaganda numa democracia para desviar a atenção da população dos reais problemas que o afectam. Com os actuais monopólios dos meios de comunicação social facilmente se gera medo, por vezes exagerando o perigo. Nos EUA, nas últimas décadas, o número de notícias sobre crimes de sangue aumentou, apesar das estatísticas demonstrarem que a criminalidade estava efectivamente a diminuir. Em Portugal, nos últimos meses, temos também assistido a um proliferar de notícias sobre crimes, sempre sem contextualizar essa possível crescente de criminalidade com o agravamento das condições sociais e económicas.

Vem isto a propósito do metralhar de notícias sobre a suposta pandemia da Gripe A. Todos os dias ouvimos casos de mais pessoas infectadas, num qualquer lugar do mundo. Menos se ouve sobre as condições de vida dessas pessoas, ou a taxa de mortalidade da infecção, como se contrair a doença fosse equivalente à morte. Há uns anos houve uma vaga semelhante incutindo o medo em torno da “gripe das aves”, o H5N1. No entanto, de 2003 a 2009 o número de mortes devido a esse vírus, a nível mundial, foram de 262. Um número minúsculo quando comparado com o número de fatalidades da gripe humana comum que, só nos EUA, atingiu cerca de 36 mil pessoas, e cerca de meio milhão de pessoas mundialmente. No entanto, não ouvimos notícias quando novas pessoas contraem a gripe comum, nem se acompanha o seu alastramento pelo mundo, nem se usa o termo pandemia, embora ela tenha efectivamente impacto mundial. A actual Gripe A foi responsável este ano pela morte de 476 mortes entre 99,103 pessoas infectadas, isto é menos de 0.5 por cento de mortalidade. Não digo que as instituições de saúde não acompanhem a progressão da doença, que as pessoas não tomem cuidados (aliás em todo semelhantes aos cuidados contra a gripe comum). Mas a forma como a comunicação social e os líderes governativos fazem uso da doença para propagar o medo é injustificada e injuriosa.

Quem mais tira proveito do medo incutido são as farmacêuticas que vendem os antivirais. A transnacional Roche vendeu milhões de doses do seu famoso Tamiflú a vários países, onde a real causa da morte após infecção são factores sociais e económicos: a falta de sistemas de saúde eficazes e a subnutrição da vasta maioria da população.

André Levy

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Entramos já no verão. Época de sol e calor, praia e passeio, férias e … festivais de música. Desde há anos que proliferam, por esta época do ano, o número de festivais de música, uns meros instrumentos publicitários do produto que lhes dá nome. Com raras excepções, todos obedecem a um formato semelhante. Variam os nomes das bandas, o género da música, a qualidade dos programas, e a localidade. Mas pouco ou nada destaca um festival do seguinte. A sua uniformidade é de tal modo, que nem se pode incluir na mesma classe de evento a Festa do Avante!.

A Festa do Avante! destaca-se pela variedade da sua oferta musical e artística, gastronómica e intelectual. Tem espaço para o desporto, a ciência, o teatro, a exposição artística e política, a apresentação de livros e o debate. Estão presentes todas as regiões do nosso país e a riqueza cultural particular que cada uma tem para oferecer. Estão também presentes organizações internacionais, com as quais o PCP tem laços de fraternidade, que nos trazem a sua literatura, artesanato e gastronomia. Há um espaço de interesse para pessoas de qualquer idade, e vemos frequentemente famílias a fruírem da Festa em conjunto.

Não fosse isto já o suficiente para distinguir a Festa do Avante! de qualquer outro mero festival de verão, acresce ainda o espírito dos militantes e amigos que voluntariamente dedicam do seu tempo para a construção, funcionamento e limpeza da Festa.

A Festa do Avante! distingue-se assim não só por ser multifacetado na sua forma, mas por possuir um ambiente de solidariedade e camaradagem. Alguém que visite a Festa pode, se o quiser, evitar todos os seus aspectos mais obviamente políticos e abertamente partidários. Mas mesmo esse visitante sai tendo presente que ali viveu outra forma de entender a cultura, de a partilhar, de a viver. Uma forma que contrasta com a crescente desresponsabilização dos partidos no Governo, que têm conduzido à crescente deterioração do nosso património arqueológico, dos arquivos históricos, ao desmantelamento de associações culturais e recreativas locais e de companhias nacionais de artes do espectáculo.

Se a verdade está nos números, basta acompanhar o Orçamento de Estado (OE) nos anos recentes. O PS de Sócrates, grande crítico da política cultural do governo PSD/CDS-PP, apresentou no seu anterior programa eleitoral uma meta orçamental para a cultura 1% do OE. Isto quando a meta recomendada pela UNESCO (e aceite em tempos por algumas personalidades do PS) era de 1% do PIB. Entenda-se o truque: mantém-se o valor percentual, mas muda-se o tamanho do “bolo”. A diferença, em termos de euros, não é pouca. Passados quatro anos no governo, surge a mesma meta no novo programa do PS para as próximas eleições legislativas. Longe de procurar aproximar-se dessa meta durante o actual mandato, o Governo PS/Sócrates tem sido responsável pela crescente asfixia orçamental do sector da cultura, superior mesmo há do anterior governo. O orçamento de 2007 para a cultura era inferior ao de 2003 (corrigida a inflação). É cada vez mais evidente que se torna imperioso uma ruptura com a actual política de direita, e o encontro de uma outra postura perante a cultura, como a exemplificada na Festa do Avante!.

Os resultados das eleições europeias marcaram um passo importante no caminho para uma ruptura com a política de direita e – por muito que os “comentadores oficiais” se resignem a admitir – uma vitória significativa da CDU: mais votos, mais pontos percentuais, subida de votação em todos os distritos, e, por pouco, não foi eleito um terceiro eurodeputado da CDU. E a CDU foi a força política mais votada em vários conselhos e distritos, cobrindo uma larga porção do território nacional. Estes resultados devem fomentar grandes expectativas para as próximas duas rondas eleitorais onde, contrariamente às eleições europeias, o escrutínio nacional se reparte por vários círculos regionais. Deve incutir, nos militantes das organizações que compõem a CDU e nos muitos independentes que a apoiam, um espírito de esperança na mudança e renovadas forças para as batalhas que se seguem.


Uma das batalhas a travar é a batalha contra a abstenção, mas também contra o voto nulo e em branco. É de assinalar que os votos nulos foram nestas eleições quase o dobro que nas eleições europeias de 2004 (4,63% vs. 2.57%). O voto nulo reflecte uma postura distinta da abstenção. Tratam-se de eleitores que participam no processo democrático, o respeitam e valorizam, mas que não encontraram entre as treze (!) opções no boletim de voto uma única que lhes merece-se a cruz de confiança. Nem mesmo entre os novos partidos, auto-designados “movimentos”, que pretenderam tirar proveito do sentimento que “os partidos são todos os mesmos”. Há uma importante batalha ideológica a travar entre esta camada do eleitorado, pois os factos demonstram que os partidos não são todos iguais. As forças que integram a CDU caracterizam-se por uma capacidade de trabalho legislativo que se destaca das demais forças e pela sua contínua presença junto das populações, não remetendo esse contacto para os períodos eleitorais. Distinguem-se de todas as restantes forças pelo facto dos deputados por si eleitos não auferirem qualquer benefício salarial pelo exercício da tarefa com que foram incumbidos. Não estão “à caça de tacho”, nem à procura de protagonismo. Só na CDU os trabalhadores e as populações encontram uma força que coloca os seus interesses acima de quaisquer objectivos partidários ou interesses económicos.


A crise económica e social que vivemos coloca em evidência a luta de classes. Só não a vê quem não quer. Uma luta onde não há espectadores, e onde o árbitro está comprado. Uma luta onde há que tomar partido. Não há forma de evitá-lo. A abstenção, o voto em branco ou nulo, não é um “voto de protesto”, mas um apoio “aos mesmos do costume”. É desse lado que querem estar? Há que convencer cada eleitor que o seu voto pode contar para a mudança, sendo expresso na CDU. Aos que respondem, no âmbito das legislativas, que “vocês não vão lá”, há que recordar que essas eleições não são para eleger o governo, mas a Assembleia da República, onde importa reforçar a força de esquerda mais consequente, trabalhadora e isenta na representação dos interesses dos trabalhadores e populações.

Embora o escrutínio ainda não esteja finalizado, faltado apurar os votos Portugueses realizados no estrangeiro, os resultados apurados até à data já permitem tirar algumas conclusões marcantes sobre as eleições nacionais para o Parlamento Europeu:

1. Uma expressiva descida dos votos nos partidos de direita, face às eleições europeias de 2004. Se comparamos os votos conjuntos obtidos pelo PS e a aliança “Força Portugal” (PSD+CDS/PP), em 2004, com a soma do resultado destas três forças em 2009, vemos uma redução de cerca de 337 mil votos. Há caso para dizer que não houve só um voto de condenação da política de direita conduzida pelo Governo PS/Sócrates, mas uma derrota da política de direita como um todo. Embora não seja possível comparar directamente os votos do PSD nas eleições de 2004 e 2009, podemos constatar que a “Força Portugal”, em 2004, obteve menos votos que a soma da votação, em 2009, do PSD e CDS-PP. Embora, esta soma tenha crescido, as duas forças em conjunto não conseguiram o mesmo número de deputados conseguidos pelo PS em 2004 (mesmo tendo em conta a redução do número do círculo Português no Parlamento Europeu de 24 para 22 deputados). Por muito que o PSD queira vangloriar-se de ter “ganho” estas eleições, por ter obtido mais votos que o PS, a verdade é que as eleições expressam um derrota do “Bloco Central” e da política de direita.
2. Um expressivo crescimento das forças de esquerda, sendo muito significativo e motivo de satisfação, que a CDU tenha crescido em número de eleitores e tenha obtido a maioria de votos em vários conselhos do país, e que por uma margem relativamente pequena de votos não tenha eleito um terceiro euro-deputado. Este crescimento é sinal de insatisfação do eleitorado com a política de direita e de uma profunda vontade de mudança de rumo em Portugal e na Europa. uma expressiva. Contrariamente às hiperbólicas afirmações de comentadores, como António Barreto, o facto do Bloco de Esquerda ter ficado à frente da CDU não constitui um “marco histórico”. O BE terá sido o maior beneficiário de algum eleitorado PS, descontente com a conduta, à direita, do Governo Sócrates, e também beneficiado de um claro favorecimento da comunicação social, que tendeu sempre a obscurecer e silenciar a campanha da CDU. Esta campanha distingui-se pelo assentar no contacto directo com os trabalhadores e população, na mobilização de uma corrente por um rumo diferente para a Europa e Portugal, tendo em vista não só estas eleições, mas o futuro. De qualquer das formas, só um anti-comunismo visceral pode falar de uma derrota da CDU num contexto em que esta cresce em votação e se afirma como uma força e organização incontornável para uma efectiva mudança de rumo no país.
3. A nível europeu, há a registar um aumento preocupante do Partido Popular Europeu. O novo PE será dominado assim por forças de comprometidas com os grandes interesses económicos e financeiros europeus, com uma linha neo-liberal, com a crescente militarização da União Europeia, com o rumo federal da UE, e o com o ditames do Tratado de Lisboa. Tal trará grandes desafios, no PE, às forças opostas a este rumo, a favor de uma Europa de cooperação entre nações soberanas, e de paz com baseada no diálogo e não no intervencionismo militar.

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