Bruno Dias

Bruno Dias
Há uns anos, no bairro onde eu cresci, foi inaugurado um monumento diferente. Era um Monumento ao Poder Local Democrático, evocação dos anos de trabalho, de luta e de conquista de Abril onde em cada dia se constrói o futuro. Mas era um monumento diferente do habitual – à primeira vista, dir-se-ia que nada tinha a ver com o poder local: nada menos que a figura de um burro, cujo dorso ganhava a forma de um escorrega onde brincavam crianças.
Na altura, houve quem estranhasse e até achasse mal fazer-se uma coisa daquelas, quando o assunto era tão sério. Afinal, todos aqueles anos de trabalho, honestidade e competência, de luta e de ligação às populações não podiam ser retratados assim, com um burro e umas brincadeiras de crianças. A explicação não podia ser mais simples, e não podia ser mais bela.
O escultor (ele próprio um intelectual daqueles que tomam Partido, ao lado dos trabalhadores e do povo), participou na apresentação pública do monumento. E ali partilhou connosco a ideia do seu trabalho: o burrico, animal de trabalho que leva a carga de sol a sol (mas que também finca a pata se a carga for demais), fizera parte de um quotidiano antigo e distante, quando os aguadeiros subiam estrada acima levando a água do chafariz até às pessoas.
Com a Revolução de Abril, com as comissões administrativas democráticas e com as vereações, as juntas e assembleias de freguesia, as comissões de moradores, os conselhos municipais, o movimento associativo, abriram-se as portas de uma claridade nunca imaginada. Cada dia, cada jornada de trabalho, cada necessidade identificada, era uma tarefa inadiável onde a própria liberdade conquistada ganhava mais sentido e onde todos faziam falta.
Abrir valas pela rua e levar a água e os esgotos a casa das pessoas foi uma dessas tarefas. As infra-estruturas foram nascendo, primeira etapa de um caminho extraordinário em que as pessoas fizeram sua a cidade. Mas outras necessidades, muitas, incontáveis, apareciam. Uma cidade mais limpa, mais verde, mais viva, onde as crianças pudessem brincar. É aí que aparece o escorrega, e o escultor regressa à estória para nos explicar o resto.
É que ali perto, praticamente ao fim da rua, estavam uns estaleiros navais. Eram enormes, dos maiores do mundo. Ali trabalhavam milhares de operários, construindo riqueza todos os dias, lutando pelos direitos, organizando-se para ajudar a fazer um país melhor e mais justo. Depois de um dia de trabalho, muitos desses operários deitavam outra vez mãos à obra. Mas desta vez, o que nascia da chapa de ferro, do tubo, da soldadura e dos rebites não eram hélices nem cascos – eram escorregas, baloiços e outros brinquedos. Muitas crianças da cidade passaram assim a ter, pela primeira vez, um parque infantil onde podiam brincar.
Era essa homenagem que ali estava, nas crianças que desciam pelo escorrega: o poder local democrático é muita gente. A sua História foi construída por autarcas, por trabalhadores, por colectividades e comissões de moradores, por actores e professores e atletas, por cantoneiros e arquitectos e jardineiros. Por operários e crianças.

A gente vai continuar

Anos mais tarde, um governo traíu aqueles operários e encerrou o estaleiro. Os escorregas já tinham sido substituídos por outros mais coloridos, mais confortáveis. O pior foi o resto. E o resto continua hoje, com outro governo e outro estaleiro. A destruição de postos de trabalho faz-se agora no Arsenal, e a luta dos trabalhadores continua. Vai continuar sempre, porque é possível uma vida melhor, e nem a exploração nem a injustiça são fatalidades a que estejamos condenados.
Entretanto, novos desafios foram surgindo, e continuam a surgir. Novas ideias, novas possibilidades. Foi preciso planear, definir políticas para um território equilibrado, um desenvolvimento integrado, sustentável, solidário. Novas e melhores escolas, bibliotecas, casas da juventude, espaços para a cultura e o desporto. Opções estratégicas para a defesa do ambiente, para a defesa da água pública como bem essencial que é de todos. A cidade foi crescendo, ganhando mais vida – e qualidade de vida.
Há pouco tempo, entrou em funcionamento um novo ponto de acesso gratuito à Internet, em banda larga sem fios, numa praça do centro da cidade. Outros Pontos Net estão de portas abertas, espalhados pelo concelho e por toda a região. Novos projectos instalam-se, também para a investigação e as novas tecnologias, com mais desenvolvimento, emprego, abrindo caminho a novas realidades.
Mas a raíz dessa nova realidade não é nem nunca pode ser esquecida. Ela está no trabalho e na luta por uma vida melhor e mais justa. Está numa política diferente, praticada por quem sabe de que lado está, verdadeiramente do lado das populações.
Quer no trabalho autárquico quer na batalha eleitoral que se trava nesta etapa, o combate é duro, é exigente e desigual. E há muito para fazer. Mesmo nesta “recta final” há muito trabalho pela frente. Há muita propaganda para afixar, carros de som para conduzir, arruadas para fazer, há que conversar com as pessoas, ouvir as pessoas, aprender com elas. E desafiá-las para trabalhar e lutar ao nosso lado.
E é possível mostrar o que valemos com o esclarecimento, com a afirmação do nosso projecto, com a mobilização de todos para que este Domingo seja uma grande jornada de construção do futuro. Por isso, não podemos descansar nem baixar os braços, e por isso cá estamos para defender as nossas propostas e o nosso projecto autárquico. Procuramos sempre as melhores soluções. Temos o realismo de enfrentar e combater os novos problemas. Mas não perdemos de vista os nossos ideais. E continuaremos a luta para além de Domingo.
A melhor forma de traçar o caminho do futuro e trabalhar na sua construção é porventura não esquecer nunca qual é a nossa origem. E é essa também uma das nossas características que fazem a diferença: não esquecemos de onde vimos. Temos orgulho nas nossas raízes, e com esse orgulho afirmamos a identidade própria do nosso povo e das nossas terras.
Pode não ser já para amanhã que teremos aquilo a que o Jorge Palma chamava de “Terra dos Sonhos”. Mas não desistimos de lutar por uma cidade – e uma sociedade – em que «toda a gente trata a gente toda por igual». Por isso dizemos, como também diz o Palma, que «enquanto houver estrada para andar, a gente vai continuar».

A frase vem do título de um filme portuguẽs, em exibição por estes dias. É a história de um homem que vai parar ao desemprego por ter colocado a ética à frente das conveniências, por recusar o caminho fácil da vigarice. Depois de uma reviravolta na sua vida, percorre o caminho angustiante de quem vê todas as portas a fecharem-se à sua frente.
Os heróis, se os há, aparecem depois. Aparecem a lutar em cada dia para seguir em frente, na escola, no trabalho, na vida. Nas amizades, nos amores e desamores, nas rimas e nos beats. Aparecem numa precária ao fim-de-semana, ou então num campo pelado com a magia da finta. Aparecem sem emprego ou com biscates ou com esquemas, a tentar dar a volta por cima... ou pelo menos não se deixarem ir abaixo.
São heróis quotidianos que viajam ao teu lado nos transportes, que sentem a exploração a cravar-se na pele, que vão em frente porque tem de ser. Ouvem dizer que a vida é mesmo assim – uns acreditam, outros não. Estes vão sendo mais.
Aos poucos, vão sendo mais os que se perguntam se isto tem mesmo de ser assim. A vida cada vez mais dura, com mais sacrifícios, enquanto alguns enriquecem com a tal crise que nos cai em cima. Nós dizemos que a vida não tem que ser desta maneira. E connosco são cada vez mais os que dizem isso mesmo.
Não é por um qualquer azar do destino que as coisas estão assim.
Esta falta de respeito com que são tratados os trabalhadores, os jovens, os reformados, esta cultura nacional de mediocridade que se reveste de arrogância e de prepotência para se impor a um país e a um povo, tudo isto representa e traduz opções políticas concretas. A acumulação de fortunas de um lado e de dificuldades do outro é a marca de uma política de direita.

Mais do mesmo?

Não vale a pena virem falar-nos de governabilidade quando deixam ingovernável a vida das famílias, dos jovens, das pequenas empresas. Ingovernável é querer trabalhar, ter experiência e capacidade e ir para o desemprego. Ingovernável é uma reforma de miséria ter um “aumento” de quatro euros e com isso ultrapassar o valor estipulado para o apoio nos medicamentos e taxas moderadoras. Ingovernável é ter de pedir dinheiro emprestado para comprar os livros da escola para os filhos. Isso é que é ingovernável.
Não vale a pena alguém dizer que é de esquerda quando destrói, directa e activamente, dezenas de milhares de postos de trabalho. É isso mesmo que este Governo tem feito.
No início deste ano, o Governo apresentou o “Programa de Estabilidade 2008/2011”. Aí se podia ver, no capítulo da redução de pessoal na Administração Pública entre Dezembro de 2005 e Setembro de 2008, o Governo a congratular-se com «uma inédita redução líquida de 51 486 trabalhadores».
Mas, como isso ainda era pouco, lá vinha a promessa de mais desemprego: «o Governo continuará comprometido com exigentes metas de redução das despesas com o pessoal» apontando uma previsão de mais de 56 000 postos de trabalho para destruir até 2011. O programa eleitoral do PS para estas legislativas tem lá escrito, preto no branco – manter a orientação de apenas uma contratação por cada duas saídas. É esta a resposta do Governo à crise: manter o rumo de destruição indiscriminada de emprego. Esta política criminosa tem de ter um ponto final.
Ao longo destes quatro anos e meio, foram muitos os que disseram – já chega. Foram milhões de pessoas fartas de serem pisadas, que demonstraram na prática, na vida real, que é possível sacudir a resignação, erguer a voz, mostrar a força que temos quando estamos unidos.
Temos o direito de dizer que o país somos nós. Nós todos. Somos os trabalhadores, os jovens, os reformados. O país é feito desta gente toda, e pertence a esta gente toda. E a política serve para tomar decisões sobre a nossa vida, e sobre o país que tem de ser nosso. Isso significa que a política tem de ser de nós todos. Só assim ela será diferente.

Romper com o conformismo

A política não tem de ser feita de mentiras, de promessa e palavras vãs, de indiferenças e acomodações. A política pode mesmo ser diferente, pode ser ruptura e mudança. Pode ser ferramenta para construir algo. Um país mais justo, um futuro melhor, uma vida mais feliz.
Durante todo este tempo, muitos foram aqueles que responderam, responderam contra a injustiça, foram à luta – alguns pela primeira vez nas suas vidas. Em todos os momentos, esta força sempre lá esteve e continuará a estar ao seu lado. A nossa mensagem é afinal muito simples: a vida não tem de ser assim. A política não tem de ser assim. Há um outro caminho que é possível seguir, para uma vida melhor e mais justa.
Mas a nossa confiança no futuro, a nossa esperança que não fica à espera, assenta precisamente na confiança que temos nos trabalhadores e no povo, que construirão o futuro com as suas lutas. E nessas lutas sabemos muito bem de que lado estamos.
Este Domingo, cada um de nós tem algo de muito importante a fazer. Com mais um se pode ter mais força e se pode fazer a diferença. Com mais um se pode dar mais força a quem não desiste de lutar e de trabalhar por uma vida melhor para o povo. Não com mediatismos ou vedetas, mas com uma força coerente, verdadeiramente empenhada numa mudança a sério.
Este Domingo dia 27, assim como o dia 11, são dias de luta e de construção do futuro. Quando esta desesperança se abate sobre tanta gente, quando ouvimos dizer que “isto é mesmo assim, o que é que se há de fazer?”, quando nos tentam convencer que estamos condenados a este estado de coisas, é preciso dizer que Sim, É Possível uma vida melhor. É que, quando se rompe com o preconceito e o conformismo, e se olha ầ nossa volta com olhos de ver, descobre-se quem afinal esteve sempre ali ao nosso lado. E nessas alturas percebe-se que às vezes a esperança está mesmo onde menos se espera.