O embaraço da escolha

Vítor Dias
 

Vítor Dias

Como os leitores bem poderão calcular, há dois dramas maiores que os cronistas (com prazo definido de entrega de textos) enfrentam volta não volta: um é a pura e simples falta de assunto e outro é o chamado embaraço da escolha entre tantos assuntos apetecíveis.

Assim estou eu hoje. Estimulado por uma recente aparição de António Carrapatoso, do Compromisso Portugal (enfim, os do Convento do Beato e beatos sim mas de outra coisa) numa entrevista à SIC, apetecia-me escrever uma crónica intitulada «Ei-los que voltam» (adaptação do inicio daquela bela canção do Manuel Freire que começa «Ei-los que partem/velhos e novos…») para assinalar o regresso descarado aos «media» de tantos e tantos que andaram desaparecidos e calados que nem ratos durante os longos meses de agudização da crise internacional, toleraram sem um pio que, por todo o mundo, insuspeitos jornais e revistas trocassem o velho eufemismo da «economia de mercado» pela expressão «capitalismo» e, agora, que o tão denegrido Estado já injectou milhões e milhões nos cofres da iniciativa privada, lá regressam com as mesmas e bafientas teorias e propostas neoliberais de sempre.

Embora este seja um terreno mais escorregadio por causa das malfadadas generalizações, estimulado pelo aparecimento de um manifesto de 28 «grandes economistas portugueses» em que pontificam grandes expoentes e responsáveis das políticas realizadas desde 1976, incluindo numerosos ex-ministros das Finanças ou da Economia, apetecia contar aos leitores que, desde pelo menos há mais de duas décadas, sempre me defronto com a ideia de que, por razões que não tenho tempo para autopsiar a fundo, se trata do grupo mais impune da sociedade portuguesa, que sobrevive politicamente a todos os desastres em que participou e que está sempre a ressuscitar pletórico de autoridade, prestígio e sapiência.

Depois de ter visto na SIC, na passada quinta-feira à noite, os eminentes comentadores José Miguel Júdice e António Barreto (isto é que vai uma renovação no comentário político em Portugal!) a debitarem opiniões sobre o « caso Manuel Pinho», também me apetecia dizer que se tratou de intervenções que, pela sua parcialidade e superficialidade, só agravam o descrédito das vida democrática e em que é patente uma falsa ignorância deles sobre o que é a vida parlamentar noutros países e em que é sobretudo condenável uma maneira de falar em que ofensores e ofendidos ficam desonestamente metidos no mesmo saco do avacalhamento e desprestigio da política, dos políticos e da instituição parlamentar .
Entretanto, ainda que com ligação com este último assunto, acabo antes por referir, de uma forma muito mais parcial e ligeira do que seria necessário, o estudo baseado num inquérito recentemente divulgado pela SEDES a respeito da «qualidade da democracia portuguesa». A este propósito, registo de passagem que não é uma pequena coisa que 30% dos inquiridos achem que os media não reflectem a pluralidade de opiniões na sociedade (são 33% os que acham que sim) e os dados devastadores sobre «os políticos» e o seu respeito pelas opiniões dos portugueses em que as únicas opiniões que vão contra a conhecida corrente dominante medeiam pobremente entre os 5 e os 12%.
Entretanto, sem negar nenhuma gravidade à situação, quero sobre esta matéria chamar a atenção para que está mais que provado que, ouvidos sobre estas matérias, os cidadãos e cidadãs adoptam muitas vezes uma certa ambivalência. Basta lembrar, por exemplo, que num estudo do Instituto de Ciências Sociais sobre as eleições de 2002, para aí entre 70 a 80% declaravam considerarem «os partidos todos iguais» e eu, quando vi, esse resultado, pensei para comigo « meu Deus, neste inquérito há uma data de outras perguntas  que, em coerência, só podem ficar sem respostas. Mas qual quê. Os mesmos que antes tinham considerado «os partidos são todos iguais», nas outras perguntas sobre simpatias partidárias, sobre líderes políticos, sobre colocações políticas dos partidos etc., etc., fartavam-se de ter e de manifestar opiniões muito precisas e diferenciadas.
Cuidado pois porque nem tudo o que parece, realmente é.