Castelo Branco

Em defesa da escola pública

27 Setembro

Intervenção

Intervenção de Mónica Ramôa, no dia 24 de Setembro,  no teatro-cine da Covilhã, durante o porto de honra em defesa da escola pública:

Amigas e amigos,
colegas e camaradas,
Só no final do século XIX é que as sociedades contemporâneas assumiram como central o modelo escolar, a escola. No entanto, foram necessárias muitas lutas sociais, e numerosas tensões políticas para que o Estado assumisse a natureza pública da educação e abraçasse os valores do domínio público, diferenciando-o do domínio privado. Mas… conceber o domínio público da educação, não chega, só por si, para constituí-la como universal, isto é, para todos. Foi por isso que no século XX, milhares de portugueses nunca puderam assinar o seu nome nem nunca souberam ler um poema de Camões. Fomos escravos da
ignorância imposta, da fome e da repressão. Com a revolução de Abril, chega a escola pública, para todos, concretiza-se a ideia de uma escola realmente para todos. Os
professores adquirem estatuto profissional, a escola pública ganha a luta contra o trabalho infantil, alterando a vida familiar e social dos portugueses. Todos passam a ter acesso à escola.

Durante estas décadas, a escola pública de qualidade foi sendo, muitas vezes arduamente, (devo dizer), construída. Alargou-se a escolaridade obrigatória, adotou-se como filha pródiga, a escola inclusiva. Aliás, uma e outra não se distinguem no léxico educativo
democrático português. O paradigma tinha mudado: não chegava já a escola para todos, agora, todos teriam que ter direito à qualidade e ao sucesso escolares. A escola pública de qualidade é uma conquista de Abril e uma construção coletiva nacional. É de todos nós.

Atualmente com o neoliberalismo como modelo económico e político dominante de decisão, o Estado tende a adquirir o estatuto de Estado-mínimo, isto é, um Estado que intervém residualmente na economia e é permeável aos valores do mercado, privatizando serviços, tradicionalmente, públicos. O governo PSD/CDS-PP, preconiza este ideal e o ministro da educação e ciência, Nuno Crato, defende exatamente estes ideais neoliberais e cumpre-os inexoravelmente. O diagnóstico do estado da educação no país e, concretamente no nosso distrito, está feito. Ainda em julho realizámos uma iniciativa com a deputada Paula Santos onde foi possível refletir a realidade que vivemos nesta matéria.

Também é verdade, que nós, da CDU, estivemos sempre presentes na luta contra este estado de coisas… contra todas as medidas que empobrecem a escola pública de qualidade, que empobrecem o país e, de forma muito aguda, o nosso distrito.
Estivemos ao lado da população na luta contra o encerramento de escolas, contra a formação a “régua e esquadro” dos mega agrupamentos, contra os reajustes curriculares para os quais os professores não foram tidos nem achados, contra a municipalização da educação… contra a privatização dos infantários, contra os milhares de euros (mesmo milhões) que saem do orçamento de estado para o ensino privado… e ali ao lado, mesmo ao lado … a escola pública pode dar resposta a todas as necessidades educativas. No nosso distrito são 2 milhões e 800 mil euros que serão entregues aos colégios com contrato de associação… dinheiro esse que será subtraído à escola pública.

Este ano, talvez por que as eleições são já no dia 4 de outubro, a abertura foi mais tardia… e o problema não é só a colocação dos professores, nem o aumento do desemprego docente. Há um conjunto de outros problemas que persistem e que até se agudizaram… o resultado de uma política de desvalorização da Escola Pública e de um processo de elitização da Educação com contornos políticos muito claros:
• cortes na educação no valor de 3.000 milhões de euros, nos últimos quatro anos;
• alterações na organização das escolas que lhes retiraram horas indispensáveis para desenvolverem projetos de promoção do sucesso e combate ao abandono;
• condições de trabalho e horários de docentes e não docentes que foram agravados e são pedagogicamente desajustados;
• maior instabilidade do corpo docente, com milhares de professores com vínculo precário ao fim de 10, 20 e mais anos de serviço;
• falta de assistentes operacionais e dos mais diversos técnicos, sendo exemplo dessa situação de carência o rácio de 1 psicólogo por cada 1.700 alunos;
• constituição de turmas com 30 e mais alunos;
• ausência de resposta adequada para milhares de alunos com necessidades educativas especiais a quem é negada igualdade de oportunidade na escola e na vida;
• existência de mais de três centenas de mega-agrupamentos, estruturas que desumanizaram a vida das escolas e dificultam a sua organização e gestão;
• currículos escolares empobrecidos;

Esta política de destruição da escola pública de qualidade, põe em causa os próprios fundamentos da democracia que afirma a escola pública como garante de equidade e justiça social. Compromete a universalidade do acesso, a igualdade de oportunidades e a continuidade dos percursos escolares que são princípios fundamentais da escola pública. E quando aqui se fala em escola pública, está-se a referir a todos os níveis de ensino, desde o pré-escolar ao ensino superior e à investigação. Portugal demorou 40 anos para conseguir sair de um longo ciclo de pobreza imposto pelo regime fascista, cujas caraterísticas principais foram o atraso e a sobrevivência. Os portugueses, a maioria, sobrevivia, não chegou sequer a viver. Agora que passaram 41 anos sobre o 25 de Abril de 1974, regressa a pobreza e com ela, querem que regresse o atraso e, novamente, a sobrevivência. Como postulou Hannah Arent, a pobreza força o homem livre a agir como escravo.

A escola pública de qualidade é garante de que tal não possa, de novo, acontecer; defendê-la é garantir um horizonte ao futuro do nosso país, que queremos livre e democrático.

Não resisto a fazer referências às palavras de Alberto Sampaio, patrono da primeira escola onde lecionei, em Braga, que viveu na segunda metade do século XIX, tendo morrido em 1908. Disse ele, em finais do século XIX: “Nunca nos preocupámos com a agricultura, nem com a indústria, nem com a ciência, nem com as belas artes. As riquezas que fomos tendo, mal aportavam, escoavam-se rapidamente, porque faltava uma indústria que as fixasse, (…) e o património da comunidade em vez de enriquecer, empobrecia”.

Estas palavras foram escritas há mais de 120 anos… Quando os tempos foram prósperos, os nossos governos não trataram das questões essenciais onde assenta a riqueza de um país e que são: trabalho e ensino. Agora que a crise se instalou, falta o tempo, falta o trabalho e a fome bate-nos à porta. A solução emergente é a emigração. Uma emigração de portugueses que a escola pública formou. Emigração altamente qualificada, filhos do Portugal de Abril, vão partindo em silêncio, para construir os futuros brilhantes de outros países… e não parece que queiram regressar.

Os filhos do povo que a escola pública formou, não têm lugar neste país de amargura. E a amargura azeda Portugal. Poderia acabar aqui a minha intervenção… em silêncio e com este “amargo-de-boca”, mas essa não é a nossa postura. A CDU, não desiste da construção de um Portugal democrático, soberano, livre e justo. Temos soluções para o país, temos soluções para o distrito de Castelo Branco e temos soluções para a Educação.

Talvez seja por isto, e por esta sempre renovada esperança de que é possível uma vida melhor, é possível um futuro melhor que centenas de professores, além de outros trabalhadores da educação, nos terem dado o seu apoio e a sua confiança. Aqui no distrito são já uma centena… A todos os que nos apoiam e a todos os que aqui estão connosco, o nosso agradecimento e o nosso compromisso de que tudo faremos para defender e lutar pela escola pública de qualidade, pelos direitos dos que lá trabalham e dos alunos. Quando se fala em voto útil, é preciso esclarecer para que é que ele é útil… se for para a construção de um Portugal democrático, livre, soberano e justo para todos nós, então, o voto útil é na CDU. E, já agora, seria bom para o distrito de Castelo Branco que um dos deputados eleitos para a Assembleia da república por este circulo eleitoral soubesse…
… que o nosso país sabe a amoras bravas no verão….

As Amoras

O meu país sabe as amoras bravas
no verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.
Eugénio de Andrade (“O Outro Nome da Terra”)

Viva a Escola Pública de Qualidade!
Viva a CDU!
Disse.
Covilhã e TMC, 24 de setembro de 2015